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quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O SINAL DE JONAS




Os evangelhos de Lucas e Mateus relatam que, em certa ocasião, um grupo de fariseus se aproximou de Jesus pedindo-lhe um sinal que os convencesse definitivamente de que Ele era o Messias esperado. Jesus respondeu a eles afirmando que nenhum outro sinal lhes seria dado, exceto o sinal de Jonas, que passou três dias e três noites no ventre do grande peixe. 

 Trata-se de um texto que exige reflexões, porque o seu conteúdo espiritual não está aparente. Ao leitor desatento, a resposta de Jesus aos fariseus parece perfeita. Os fariseus pedem a Jesus um sinal e o Mestre lhes diz que o sinal será Sua ressurreição.

 No entanto, a resposta dada aponta para um conteúdo espiritual que deve ser meditado, pois Jesus não proferiu uma única palavra que carecesse de um profundo ensinamento, e também não recorreu a expedientes para atender à hipocrisia dos fariseus.

Por isso, a questão que se coloca é: quem é Jonas? Por que Jesus nos remete a Jonas? Que lições esse personagem possui para nos transmitir? 

A história está registrada no Velho Testamento, no livro de Jonas. Trata-se de um livro bastante breve, com apenas quatro capítulos, que narra uma história aparentemente simples, porém repleta de conteúdo espiritual profundo.

O profeta Jonas relata que Deus o incumbiu da missão de ir até a cidade pagã de Nínive, a capital da Assíria, que era habitada por pessoas perversas e más e que eram inimigas ferrenhas de Israel. A tarefa designada a Jonas consistia em pregar ao povo e adverti-los de que o Deus de Israel os destruiria devido ao seu comportamento imoral. 

Jonas, contudo, recusa essa incumbência e foge da presença de Deus. Ele segue na direção oposta e desce ao porto de Jope, onde embarca no primeiro navio disponível, com destino a Tarsis. Enquanto está em alto mar, surge uma tempestade violenta que ameaça naufragar o navio.

Os marinheiros, em estado de desespero, começam a lançar ao mar as cargas pesadas para aliviar o peso da embarcação. Enquanto isso, Jonas permanece sem se preocupar e desce ao porão do navio, onde acaba adormecendo profundamente. 

Diante da tempestade, os marinheiros, cada um invocando seu próprio deus, concluem que alguém a bordo deve estar provocando a ira divina, o que causa o caos no navio. Decidem então lançar sortes para determinar quem era o culpado por essa calamidade.

A sorte recai sobre Jonas, e eles o questionam a respeito de sua responsabilidade na situação. Jonas relata-lhes toda a sua história e a missão que Deus lhe confiara. Impressionados, os marinheiros lançam Jonas ao mar, buscando aplacar a cólera divina. Nesse exato momento, surge um grande peixe, enviado por Deus, que engole Jonas, onde ele permanece por três dias e três noites. 

Durante esses três dias e três noites dentro do peixe, Jonas sente-se imerso no abismo, nas profundezas do inferno. Profundamente arrependido de suas ações, ele suplica por misericórdia divina.

Nesse momento, o peixe vomita Jonas em terra firme. Deus, então, aparece novamente a Jonas e lhe reitera a mesma tarefa que ele havia abandonado, ordenando-o a pregar em Nínive. 

Jonas, finalmente, decide obedecer e parte para Nínive. Lá, permanece por quarenta dias, pregando ao povo sobre a vontade de Deus e alertando sobre a iminente destruição da cidade. Os ninivitas, ao ouvirem a mensagem de Jonas, sentem-se profundamente tocados e começam a crer no Deus de Israel, mudando seus caminhos de forma definitiva.

Diante desse arrependimento sincero, Deus demonstra misericórdia e não executa a destruição anunciada. No entanto, Jonas fica descontente e inconformado com o fato de Deus ter poupado os ninivitas, que eram seus inimigos declarados. Ele expressa sua frustração em oração, pedindo que Deus lhe tire a vida, pois preferiria morrer a testemunhar a compaixão de Deus para com seus inimigos. 

Deus, em resposta às súplicas de Jonas, não lhe retira a vida, mas faz crescer uma grande planta sobre sua cabana, proporcionando-lhe sombra e frescor. Jonas se alegra imensamente com isso. Entretanto, Deus envia um verme para destruir a planta, deixando Jonas novamente exposto ao sol escaldante.

Nesse momento, Jonas expressa sua frustração e pede novamente a Deus que lhe seja tirada a vida. Deus, por sua vez, questiona Jonas sobre sua intensa revolta diante da perda de uma simples árvore. Ele acentua que essa árvore não foi plantada por Jonas e surgiu e desapareceu em um único dia. Deus utiliza essa situação para fazer Jonas compreender que se ele sentiu compaixão por uma planta, quanto mais Deus deve sentir compaixão pelo povo de Nínive, que é um povo que mal conhecia a diferença entre suas mãos.

 E, assim, termina a história de Jonas. 

Alguns aspectos da história de Jonas merecem uma reflexão cuidadosa. Antes de tudo, é importante destacar que o final do texto, escrito aproximadamente entre o século V e VII a.C., apresenta uma visão de Deus diferente daquela revelada por Moisés.

O texto sugere um Deus de amor, paciente com todos, que não se cansa diante das fraquezas humanas, do egoísmo, da falta de vontade e do orgulho de seus filhos. Ele é retratado como um Deus que oferece oportunidades de recomeço e que nunca nos abandona, mesmo quando nos encontramos nas sombras devido à nossa própria rebeldia. Esse aspecto enfatiza a misericórdia e a compaixão divina, ressaltando o desejo de Deus de oferecer oportunidades para que as pessoas se redimam e se transformem. 

O final do texto ressalta um padrão mental humano equivocado, marcado pelo egocentrismo e egoísmo. Mostra como muitos buscam o amor de Deus apenas para si mesmos, acreditando merecer perdão e misericórdia, enquanto secretamente desejam a punição daqueles que os ofenderam. 

O início do texto, que apresenta a missão de Jonas, é de fato um ponto importante de reflexão. A missão atribuída a Jonas nos convida a refletir sobre nossa própria missão e propósito na vida, pois a cada ser humano é confiado  uma missão singular que está alinhada com suas necessidades evolutivas. 

Entre as diversas missões que Deus confia a Seus filhos, a mais relevante é a missão no lar, ao lado daqueles a quem Jesus colocou ao nosso lado, ou seja, nosso próximo mais próximo. 

Jonas simboliza o psiquismo que decide rejeitar a missão divina que lhe foi confiada e faz uso equivocado do livre arbítrio, optando pela fuga. Ao evadir-se de sua tarefa, Jonas imediatamente inicia um processo de queda, revelando, assim,  uma lei divina e universal. Três momentos evidenciam essas quedas de Jonas: ele desce a Jope, desce ao navio e desce ao porão da embarcação, entregando-se a um profundo sono, caracterizado pela inércia, irresponsabilidade e conformismo. 

É exatamente isso que acontece quando fugimos da missão que Deus nos confiou: fazemos um movimento de queda vibratória. 

O lar é a nossa Nínive, onde estão aqueles espíritos ligados a nós pelos laços mais santos. Perdoar e servir a esposa ou o esposo complicado, o filho rebelde, o irmão ignorante e cheio de vícios, a sogra perturbada, o genro orgulhoso, a nora cega de vaidade, o pai e a mãe muitas vezes difíceis, incompreensíveis, insensíveis, castradores, entre outros, é realmente um desafio. Diante desse quadro, muitos optam por fugir. 

Essa fuga se manifesta de diversas maneiras, como passar mais tempo fora de casa envolvido em diferentes atividades; em outras ocasiões, ocorre através do mergulho nos vícios, bem como em outros relacionamentos, ou até mesmo por meio de enfermidades. É notável quantas patologias podem ser entendidas como verdadeiras tentativas de escapar das responsabilidades e desafios que o convívio no lar e com aqueles que nos são mais próximos apresentam. No entanto, enfrentar essas situações de frente, com amor, paciência e compreensão, pode levar a um crescimento pessoal profundo e ao fortalecimento dos laços familiares, transformando o lar em um espaço de aprendizado e evolução espiritual. 

Todas as nossas quedas morais resultam do uso equivocado do livre arbítrio, nos conduzindo por um caminho de descida e queda. No entanto, Deus nunca nos abandona. Ele proporciona novas oportunidades àqueles que cometem erros e caem. O recomeço coloca o viajante na mesma encruzilhada que antes recusou seguir. A mesma tarefa é novamente confiada a ele. Isso também aconteceu com Jonas; depois de reconhecer seu erro, pedir uma nova chance e passar por um longo período de quedas, tormentos e escuridão, Deus o enviou mais uma vez a Nínive.

Analisemos o perfil de Jonas e façamos uma reflexão bastante sincera,  buscando identificar os traços de Jonas em nós. e tenhamos ânimo e coragem para sermos fiéis aos compromissos que Deus nos confiou, a fim avançarmos, deixando para traz o ponto a que temos nos demorado tanto.



segunda-feira, 31 de julho de 2017

ENDIREITAI OS CAMINHO

O apóstolo João, nas primeiras linhas de seu Evangelho, faz referência a outro João, o Batista. João Batista, precursor de Jesus, assumiu a tarefa de anunciar a vinda do Cristo ao mundo e, consequentemente, a chegada de uma nova era: a era Cristã. 

A vinda de Jesus ao mundo foi um acontecimento transcendental e revolucionário, sobretudo do ponto de vista dos sentimentos, pois nunca mais o mundo foi o mesmo. Tanto é assim que a história humana se dividiu entre antes e depois dele.

Por isso, João Batista, na tarefa que lhe foi confiada por Deus e tocado pelas claridades da Nova Era que já se fazia sentir, conclamava as multidões para o exercício da transformação moral. Utilizava a frase que ficou imortalizada nas páginas do Evangelho: "Endireitai os caminhos". 

O convite de João Batista se fazia urgente. A vinda do Cristo ao mundo pedia renovação. Era preciso lapidar os sentimentos e desintoxicar hábitos doentes, gerados pelas larvas mentais nascidas de pensamentos desarmonizados. Era necessário preparar o solo do coração, pois o agricultor divino iria iniciar seu trabalho. 

Então, João Batista era a voz que clamava no deserto das consciências, propondo a renovação da paisagem íntima, tal como ocorre na natureza com as flores que deixam suas folhas envelhecidas no outono para florescerem radiosas na primavera. Jesus, com sua mensagem de amor incondicional, trouxe a primavera. 

Deixou para o mundo um roteiro de felicidade e os instrumentos luminosos para a edificação de um templo de paz e amor na intimidade dos corações. Trata-se de um trabalho individual e desafiador a todos os espíritos na atual encarnação. 

Vive-se, atualmente, na Terra, um período de grande turbulência moral. Nunca foi tão necessária a reforma íntima. O mundo está sedento de paz e amor, que só poderão existir à medida que brotarem nos corações humanos. O mundo é o reflexo de cada criatura nele encarnada, conforme ensina Emmanuel no livro "Pensamento e Vida". Para que o mundo seja melhor, impõe-se o aprimoramento de cada criatura que nele habita. 

Emmanuel, no livro Caminho, Verdade e Vida, esclarece: 

"Para que alguém sinta a influência santificadora do Cristo, é preciso retificar a estrada em que tem vivido. Muitos choram em veredas do crime, lamentam-se nos resvaladouros do erro sistemático, invocam o céu sem o desapego às paixões avassaladoras do campo material. Em tais condições, não é justo dirigir-se a alma ao Salvador, que aceitou a humilhação e a cruz sem queixas de qualquer natureza. Se queres que Jesus venha santificar as tuas atividades, endireita os caminhos da existência, regenera os teus impulsos. Desfaze as sombras que te rodeiam e senti-Lo-ás, ao teu lado, com a sua bênção". 

Ao utilizar o termo "desfazer as sombras", Emmanuel refere-se ao processo de autoconhecimento, uma tarefa árdua que exige disciplina constante, vontade firme e ânimo forte. É uma missão para várias existências, uma vez que não se consegue facilmente se libertar das sombras acumuladas ao longo dos séculos. Todavia, ainda que o primeiro passo não conduza o ser, de imediato, ao destino desejado, é suficiente para afastá-lo do ponto de partida.


terça-feira, 6 de junho de 2017

JESUS E A MULHER SIRO-FENÍCIA



Conta-se no Evangelho segundo Mateus (Mt 15,21-28) que, em certo momento de sua jornada, Jesus decide adentrar terras estrangeiras, especificamente na região da Fenícia, em direção a Sidon e Tiro. Lá, ele encontra uma mulher cujo nome e características físicas não são detalhados. O texto informa apenas que ela era grega, de origem siro-fenícia, e, portanto, não pertencia a nenhuma das 12 tribos de Israel; era, assim, uma mulher estrangeira.

Os judeus do mundo antigo costumavam desprezar os estrangeiros, reservando para eles termos ofensivos como "gentios", "imundos" e "cães desprezíveis". Evitavam misturar-se com os gentios, embora em alguns momentos de sua história tenham se relacionado com estrangeiros. Esse desprezo era justificado pelo fato de serem o único povo monoteísta do mundo antigo, reconhecendo a existência de um único Deus, criador de todas as coisas, enquanto os demais povos adoravam múltiplos deuses representados por animais, estátuas e fenômenos da natureza.

Assim, o orgulho dos judeus não lhes permitia manter qualquer tipo de relacionamento com estrangeiros. Evitavam falar com eles e entrar em suas casas para não se contaminarem. Para os judeus daquela época, o mundo era dividido em dois tipos de povos: os judeus, eleitos do Senhor, e os gentios, considerados imundos e desprezíveis. Assim, qualquer pessoa que não fosse de origem judaica era automaticamente classificada na categoria de 'gentios', considerados imundos e desprezíveis.

O encontro de Jesus com a mulher anônima é contextualizado pelo profundo desprezo que os judeus sentiam pelos estrangeiros. Neste caso específico, o desprezo era ainda mais acentuado devido à origem siro-fenícia da mulher. Os judeus mantinham ressalvas particulares em relação ao povo fenício, resquícios de um episódio doloroso e significativo ocorrido em seu passado distante.

Esse episódio está documentado no Antigo Testamento, especificamente no primeiro livro de Reis. Trata-se do casamento entre o rei Acabe de Israel e a princesa fenícia Jesabel. Este casamento não foi apenas uma união pessoal, mas também uma aliança política e econômica entre Israel e a Fenícia. A relação entre Acabe e Jesabel acabou por trazer consequências negativas para o povo de Israel, marcando profundamente a percepção que os judeus tinham dos fenícios.

A introdução do culto pagão ao deus Baal em Israel, um país monoteísta, foi uma das consequências mais controversas do casamento entre o rei Acabe e a princesa fenícia Jesabel. Na cultura fenícia, Baal era considerado a divindade da fertilidade do solo, e seu culto era marcado por práticas licenciosas e devassas, incluindo a chamada "prostituição divina", onde a promiscuidade sexual era a norma.

Este desvio religioso teve repercussões devastadoras para o povo de Israel. Algum tempo depois, Nabucodonosor, rei da Babilônia, invadiu Israel e subjugou os judeus à escravidão por um período de 70 anos. Este foi um dos momentos mais sombrios e difíceis da história judaica, e muitos acreditavam que essa escravidão foi uma punição divina por terem se desviado para a idolatria.

Embora esses eventos tenham ocorrido em um passado distante, o impacto emocional e cultural ainda era palpável. A memória desses acontecimentos afetava profundamente a percepção que os judeus tinham dos fenícios, mantendo uma barreira de desconfiança e ressentimento entre os dois povos.

No entanto, Jesus, o mestre dos mestres e terapeuta por excelência, desafia as convenções e preconceitos de sua época ao conduzir seus discípulos para um território que, para eles, era hostil. Ele utiliza a figura de uma mulher fenícia, tradicionalmente odiada e desprezada pelos judeus, como um veículo para transmitir lições inestimáveis de amor e fé.

O Evangelho relata que aqueles eram tempos difíceis para Jesus, pois os fariseus o perseguiam incansavelmente, buscando criar situações que justificassem sua prisão. Após ensinar sobre o Reino de Deus por meio de parábolas, Jesus decide se retirar da região da Galileia. Acompanhado de seus apóstolos, ele se dirige às cidades de Tiro e Sidon, na Fenícia (hoje parte do Líbano).

Ao se aproximarem da fronteira fenícia, perto de Sidon, uma mulher avista Jesus de longe. Ignorando as barreiras sociais e culturais que a separavam dele, ela sai de suas cercanias e corre em direção a Jesus. Quando finalmente o alcança, ela clama: "Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim!”

A mulher estrangeira, embora imersa em uma cultura pagã, demonstra um entendimento notável das tradições judaicas ao reconhecer Jesus como o "Filho de Davi". Essa expressão, profundamente enraizada na tradição judaica, é usada para se referir ao Messias esperado, que deveria ser um descendente da casa de Davi. É notável que ela, familiarizada com as tradições judaicas, reconheça em Jesus o Messias enviado.

Esse fato é particularmente intrigante quando consideramos que muitos judeus, especialmente os fariseus, não reconheciam nem aceitavam a missão messiânica de Jesus. No entanto, essa mulher, tão desprezada pelos judeus, não hesita em romper com as barreiras culturais e psicológicas que a cercam. Ela sai de seu território, enfrenta o preconceito e vai ao encontro de Jesus, buscando estabelecer uma conexão com Ele.

Romper barreiras e limitações impostas pelas imperfeições morais para priorizar o espírito em detrimento da matéria é, de fato, um movimento da alma que cultiva a fé. A fé é como um grão de mostarda: pequena em seu início, mas com o potencial de crescer robusta e forte se devidamente cultivada. Jesus afirmou que, se tivermos fé mesmo do tamanho de um grão de mostarda, nada nos será impossível. Assim, a fé se torna o primeiro degrau na jornada que nos conduz ao Reino de Deus.

A mulher siro-fenícia, em sua busca por Jesus, exemplifica essa jornada de fé. Ela não apenas reconhece a divindade de Jesus, mas também se aproxima dele com um pedido específico e urgente: "Minha filha está sendo cruelmente atormentada por um demônio.”

É interessante notar que ela não diz "tem piedade de minha filha", mesmo sendo a filha que estava doente. Em vez disso, ela afirma: "tem piedade de mim, porque minha filha está atormentada por um demônio". O texto nos revela um coração maternal, que sofre com a dor da filha. Afinal, que mãe consegue ser feliz quando tem um filho infeliz? Impossível! O amor maternal é especial: ele tudo suporta, tudo tolera e tudo sofre. É um amor que se doa, é paciente, nunca reclama e sempre perdoa.

Este é o modelo do amor que Jesus espera de todos nós, quando nos recomendou amarmos uns aos outros como Ele nos amou. O amor maternal é o modelo do amor universal. Jesus espera que amemos os demais filhos de Deus da mesma forma que uma mãe ama seu filho. O Mestre espera que possamos perdoar os outros como perdoamos os nossos filhos, e que sirvamos aos outros sem reclamar, assim como fazemos com nossos filhos. Isso porque a nossa capacidade de amar é um reflexo direto da nossa estatura moral e espiritual. A cor, o brilho e a frequência vibratória do nosso corpo espiritual estão intrinsecamente relacionados com o amor que irradiamos a nossa volta.

No livro "Voltei", de Francisco Cândido Xavier, ditado pelo espírito que usou o pseudônimo de Irmão Jacob, há um relato que ilustra essa ideia. O espírito conta que se sentiu envergonhado ao perceber, no mundo espiritual, que a luminosidade de seu perispírito era visivelmente inferior à dos outros espíritos, que exibiam uma luminosidade muito maior. O que eleva um espírito acima do outro não são seus conhecimentos acadêmicos ou suas conquistas materiais no mundo terreno, mas sim sua capacidade de amar os demais filhos de Deus da mesma forma que uma mãe ama seus filhos. O amor, juntamente com a fé, constitui o segundo degrau na jornada para alcançar o reino de Deus.

Prosseguindo no texto, diante do apelo da mulher, Jesus opta pelo silêncio. Em resposta, os discípulos se aproximam dele e dizem: "Senhor, manda embora essa mulher, pois ela vem gritando atrás de nós."

Os discípulos de Jesus não se mostraram sensíveis à súplica da mulher. Em vez de se compadecerem com seu sofrimento, eles apenas intercedem para que Jesus a afaste, já que a angústia dela os incomodava. Para eles, a mulher representava um problema, e a solução proposta era simplesmente afastar esse problema.

No entanto, todos os problemas que surgem em nossas vidas devem ser vistos como verdadeiras oportunidades de crescimento. Um desafio superado é sinônimo de evolução espiritual. Aqueles que já despertaram para sua realidade cósmica buscam aprender com as adversidades.

Por outro lado, muitas pessoas ainda se movimentam pelo mundo em um estado de "consciência adormecida", sem reconhecer o poder terapêutico e pedagógico das dificuldades que a vida lhes apresenta.

Todo sofrimento humano decorre da falta de compreensão de que estamos no mundo para evoluir por meio das mais diversas circunstâncias e desafios. Por isso, a habilidade de enfrentar os obstáculos da vida, sem recorrer a mecanismos de fuga, representa o terceiro degrau para se alcançar o reino de Deus.

O diálogo entre Jesus e seus discípulos continua. Diante da sugestão deles, Jesus se dirige à mulher e responde: "Eu fui mandado apenas para as ovelhas perdidas do povo de Israel.

À primeira vista, parece que Jesus está dizendo que não pode ajudá-la. No entanto, a mensagem que o Mestre deseja transmitir é muito mais profunda do que aquela que se depreende de uma leitura superficial do texto.

É admirável que o Mestre use a expressão "fui mandado", com o objetivo de demonstrar sua total obediência à vontade do Pai. Embora Cristo seja o Governador do Planeta e, nessa condição, pudesse se dirigir a todos os corações ao redor do mundo, o Pai o enviou especificamente para aquele pequeno território. Jesus, por sua vez, respeitava e obedecia plenamente à vontade de Deus.

Respeitar a vontade do Pai e aceitar o próprio projeto encarnatório são formas de expressar amor a Deus. Jesus afirmou que este é o primeiro e maior mandamento: amar a Deus acima de todas as coisas.

Aceitar o projeto encarnatório é depositar confiança em Deus, independentemente dos problemas que possam surgir na vida. Este é o quarto degrau que conduz ao reino de Deus.

A mulher, por sua vez, não desiste. Cheia de fé e amor, ela se prostra aos pés de Cristo e implora: "Senhor, ajuda-me."

Ao final do diálogo, Jesus dirige à mulher sua última frase antes de abençoá-la e partir. E como é no final que sempre estão reservadas as maiores surpresas e as lições mais profundas, Jesus olha-a nos olhos e diz: "Não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos.”

Numa primeira leitura, e de acordo com as tradições judaicas da época, é correto concluir que os "filhos" se referem aos judeus, enquanto os "cães" representam os estrangeiros. No entanto, ciente da dureza da expressão "cães", Jesus opta por usar o termo no diminutivo, suavizando assim o impacto.

Refletindo sobre esse trecho, podemos nos perguntar: quantas vezes oramos a Deus, suplicando socorro para nossas necessidades, e a vida nos responde de forma ainda mais dura? Como reagimos diante das severas provações da vida, especialmente quando tudo parece indicar que Deus nos abandonou?

Imagine a situação daquela mulher: ela estava diante de Cristo, face a face, implorando por socorro, e Ele lhe diz que não pode tirar o pão dos filhos para dar aos "cachorrinhos". E se fossemos nós nessa situação, implorando por ajuda e recebendo o que poderia ser interpretado como um desprezo em resposta? Como reagiríamos? Quais sentimentos guardaríamos em nosso coração?

A resposta a essas indagações servirá como um espelho para a graduação de nossa humildade, caso a possuamos. A humildade é, após o amor, a força mais poderosa da alma. Não é à toa que ela faz parte das bem-aventuranças: "Bem-aventurados os humildes, porque deles é o reino dos céus." A humildade representa o quinto degrau que nos conduz ao reino de Deus.

Humildade é a aceitação do outro e da vida como ela é, sem reações impulsivas, mas com uma compreensão profunda de todas as circunstâncias. Emmanuel nos ensina que ser humilde é abençoar sempre; mesmo quando temos o direito de reclamar e protestar, o coração humilde apenas abençoa.

A humildade se manifesta claramente na reação da mulher estrangeira que, mesmo comparada a um cachorro, ofereceu a Jesus uma das respostas mais belas de todo o Evangelho: "Sim, Senhor, é verdade; mas até os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos."

O amor verdadeiro é um sentimento puro, desprovido das manchas das deformidades morais, como ciúme, melindre, recalque, vaidade, orgulho e egoísmo. Um coração que ama verdadeiramente emite tanta luminosidade que não se ofende diante de qualquer provocação. Ele jamais se sente diminuído; conhece e aceita o seu lugar no mundo. Acima de todas as circunstâncias da vida, o coração que ama permanece fiel a Deus e sempre respeita a Sua soberana vontade.

A mulher do evangelho, impulsionada pelo amor que carregava em sua alma, não se sente humilhada ou desprezada, mesmo sendo comparada a um cachorro. Ela não questiona sua situação; ao contrário, aceita seu lugar no mundo sem desejar ocupar o espaço reservado por Deus para outros. Demonstrando uma humildade e fé incomparáveis, ela se contenta com as migalhas.

Diante dessa mulher virtuosa, Jesus não intervém, pois não há necessidade. Ela já havia construído em seu coração o Reino de Deus, utilizando os ingredientes do amor, da fé, da resiliência e da humildade.

Por isso, o Mestre lhe diz: "Mulher, é grande a sua fé! Seja feito como você quer." E, a partir desse momento, sua filha fica curada.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

JUSTIÇA DIVINA, PECADO E PUNIÇÃO


A ideia de justiça divina, concebida pela mente humana ao longo dos séculos, foi completamente reformulada pela revelação espírita. Temas como pecado e punição, que serviam para sustentar o poder religioso de dominação das consciências, foram desmistificados. Pecado e punição são construções humanas; Deus, conforme revelou Jesus, é um Pai Amoroso, Justo e Bom que não castiga nem pune seus filhos, mas os educa para que aprendam a amar.

O Evangelho de João, capítulo 8, versículos 1-11, aborda o tema de forma didática. Jesus havia terminado uma de suas pregações na praça pública quando notou uma agitação entre a multidão. Ao se aproximar para entender o ocorrido, um grupo de fariseus lançou aos seus pés uma jovem mulher flagrada em adultério. Era um grave delito, um pecado que deveria ser punido severamente com a morte por apedrejamento.

As pessoas estavam enfurecidas, indignadas, prontas para fazer justiça, todas com pedras nas mãos para atirar contra a mulher assim que fosse dado o sinal pelo juiz. Jesus chegou no exato momento, e os fariseus submeteram a mulher ao seu julgamento. Ela estava no chão, sem coragem de erguer os olhos para encarar Cristo ou a multidão enfurecida. Era ciente de seu pecado e conhecia bem o castigo que a aguardava.

Os fariseus questionaram Jesus: "Está escrito na Lei de Moisés que esse tipo de pecado deve ser punido com apedrejamento. E você, o que diz?" Antes de responder, Jesus se abaixou e começou a escrever no chão. O Evangelho de João não revela o que ele escrevia, mas muitos interpretam que ele estava listando as falhas morais dos presentes.

Jesus então se ergueu e disse: "Aquele dentre vós que estiver sem pecado, atire a primeira pedra." Sentindo que seus segredos mais íntimos haviam sido descobertos, as pessoas se afastaram em silêncio, começando pelos mais velhos.

Jesus ajudou a mulher a se levantar e perguntou: "Mulher, onde estão os teus acusadores? Ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Vai e não peques mais."

Se Jesus, o ser mais perfeito que já encarnou na Terra, absteve-se de julgar, ninguém mais tem autoridade moral para julgar os erros alheios. A Justiça Divina não se manifesta pela punição, mas pela oportunidade de recomeçar.

No entanto, diante do erro, há quem se entregue à consciência de culpa, punindo-se a ponto de permanecer estagnado na jornada evolutiva. Outros justificam seus erros e enganos culpando terceiros, a vida, o destino e até Deus. A lição do Mestre é outra: levantar e seguir adiante, pois a vida é um movimento constante, conforme as palavras de Cristo: "Meu Pai trabalha até hoje."


domingo, 22 de janeiro de 2017

LEGIÃO, PORQUE SOMOS MUITOS!


Jesus passava pela região dos gadarenos quando um homem emergiu das sepulturas e correu ao Seu encontro assim que O avistou. Esse não era um homem comum; há muito tempo estava possuído por demônios. De aparência desgrenhada, parcialmente despido, com olhos vitrificados e alimentando-se de restos, ele habitava o local destinado às sepulturas.

Ao ver Jesus, o homem correu e prostrou-se diante da Luz do Mundo, exclamando: "Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? "Peço que não me atormentes." Jesus perguntou: "Qual é o teu nome?" Ele respondeu: "Legião é o meu nome, pois somos muitos."

Naquele momento, uma manada de porcos passava por ali. O homem implorou a Jesus que não os expulsasse da província. Os demônios rogaram: "Envia-nos para os porcos, para que entremos neles." Jesus consentiu, e os espíritos imundos entraram nos porcos. A manada se precipitou por um despenhadeiro no mar e se afogou.

O texto conduz a lições profundas que vão além da narrativa aparente. Literalmente, a história fala de um homem vítima de obsessão espiritual. No entanto, ao encontrar Jesus, a personificação do amor, ele corre ao Seu encontro, suplicando que o deixe em paz, pois seu tempo ainda não havia chegado (Mt 8:29).

O diálogo se estabelece com a legião de espíritos que sugavam as energias vitais do homem (Mc 5:9-13). Eles pedem a Jesus que lhes permita entrar nos porcos que passavam por ali, e o Mestre concede. Consumada a transferência, a manada se atira penhasco abaixo e se afoga no mar.

O texto nos convida a um autoexame. Questiona o cultivo de "sepulcros" internos, onde abrigamos paixões, pensamentos e emoções infelizes. O autoconhecimento é uma recomendação constante nas mensagens de Jesus. Contudo, muitos, ocupados com as trivialidades do mundo, negligenciam essa prática. E quando a morte chega, surpreendem-se ao perceber que sua mente foi um depósito de cadáveres emocionais, alimentando longos processos de auto-obsessão.

Emmanuel, no livro "Pão Nosso", capítulo 32, reflete sobre o tema: "Luta contra os cadáveres de qualquer natureza que se abriguem em teu mundo interior. Deixa que o divino sol da espiritualidade te penetre, pois, enquanto fores ataúde de coisas mortas, serás seguido, de perto, pelas águias da destruição."

É preciso questionar quem está no comando de nossas ações, pensamentos e desejos. Estamos sendo guiados por nossa consciência divina ou pelas nossas imperfeições morais e vícios? Essas imperfeições consomem as energias sutis da alma e estabelecem conexões com mentes que vibram na mesma frequência, levando a processos obsessivos difíceis de romper.

Por outro lado, é crucial refletir que, embora o ser humano encarnado necessite da matéria para sua evolução, o culto ao material e ao impermanente cria amarras que o aprisionam. Isso o situa em uma faixa vibratória tão densa que sua condição se assemelha à do homem obsidiado de Gadareno. Nada conseguia libertá-lo dessa situação, pois todas as tentativas de removê-lo dali foram em vão; ele estava profundamente atado às suas próprias trevas. Ele só se libertou quando a legião de espíritos que o atormentava foi transferida para uma manada de porcos. A imagem da manada de porcos se atirando do penhasco simboliza as múltiplas reencarnações  do espírito, necessárias para a superação das imperfeições morais.

O Evangelho de Jesus é o maior tesouro enviado pelo Pai para despertar as almas do sono profundo da ignorância. No entanto, dois mil anos se passaram, e a humanidade ainda exibe os mesmos defeitos: orgulho, egoísmo, vaidade, impaciência e ignorância diante dos desafios da vida.

Quando procrastinamos a mudança de um comportamento reconhecidamente errôneo, a voz do homem de Gadareno ressoa em nosso íntimo: "Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Vieste aqui para nos atormentar antes do tempo?"

O momento para a mudança é agora, não amanhã. Jesus desafia as consciências daqueles que já são capazes de entender Seu Evangelho, mas relutam em viver de acordo com Seus ensinamentos. Eles preferem permanecer, como o homem de Gadareno, nos sepulcros de suas imperfeições, vivendo com uma legião de vícios e fraquezas morais.

Lembremos do apóstolo Paulo que nos convida a despertar.

 "Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará" (Efésios 5:14)









quarta-feira, 29 de abril de 2015

AMOR AO PRÓXIMO


O Evangelho segundo Mateus, capítulo XXII, versículos 34-40, relata que, certa vez, um doutor da lei, no meio da multidão, questionou Jesus: "Mestre, qual é o maior mandamento da lei?"

Em resposta, Jesus lhe disse: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é amarás ao teu próximo como a ti mesmo." Jesus concluiu afirmando que esses dois mandamentos englobam toda a lei.

De fato, toda a doutrina de Jesus está fundamentada no amor. No entanto, parece-nos improvável que alguém possa amar a Deus sem antes amar o seu próximo como a si mesmo.

O amor é o único caminho que possibilita a verdadeira felicidade, pois representa a maior conquista do espírito. Nenhum outro valor espiritual terá importância se o amor por si mesmo e pelo próximo não habitar em nossos corações.

O apóstolo Paulo, em sua primeira carta aos Coríntios, foi enfático a esse respeito:

 Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o címbalo que retine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor não é invejoso, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal. O amor tudo supera, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba.

Jesus nos apresentou uma fórmula muito simples sobre como amar o próximo: fazer a ele tudo aquilo que desejamos para nós mesmos. No entanto, a inferioridade moral que caracteriza os seres humanos muitas vezes influencia as relações com o próximo de maneira diferente, levando-nos a exigir muito dos outros ou a dar somente na medida em que recebemos.

O amor exemplificado por Jesus se traduz em doação total, sem a expectativa de qualquer retorno. Esta lição pode parecer dura no início, mas se torna mais fluida quando exercitada.

Para ilustrar essa ideia, uma lenda chinesa conta a história de uma jovem chamada Lin, que se casou e foi viver com seu marido na casa da sogra. Com o tempo, Lin percebeu que não se adaptava à mãe de seu esposo. Seus temperamentos eram muito diferentes, e a jovem ficava irritada com muitos dos hábitos e costumes da sogra, criticando-os cada vez mais frequentemente.

Com o passar dos meses, as coisas foram piorando gradualmente a ponto de a convivência naquela casa se tornar insuportável. No entanto, de acordo com as antigas tradições da cultura chinesa, a nora tinha o dever de servir a sogra e obedecer a ela em tudo.

Diante dessa situação, a jovem Lin, incapaz de suportar a ideia de continuar vivendo com aquela mulher, tomou a decisão de consultar em segredo um Mestre, que era um velho amigo de seu pai. Após ouvir a jovem, o Mestre Huang pegou um ramalhete de ervas medicinais e disse a ela:

"Para se livrar de sua sogra, você não deve usar estas ervas de uma única vez, pois isso poderia causar suspeitas. Em vez disso, misture-as com a comida aos poucos, dia após dia, para que ela seja envenenada lentamente. E para ter certeza de que, quando ela morrer, ninguém suspeitará de você, deverá tratá-la sempre com amizade. Evite discussões e ajude-a a resolver seus problemas."

No entanto, é importante notar que esta história não promove ou incentiva ações prejudiciais a outras pessoas. Ela serve apenas como uma ilustração de uma situação difícil e como um exemplo de como a compaixão e a paciência podem ser alternativas mais positivas para resolver conflitos familiares.

A história de Lin continua, mostrando que ela ficou muito contente e voltou entusiasmada com o projeto de melhorar seu relacionamento com a sogra, não de assassiná-la. Durante várias semanas, Lin serviu uma refeição especial à sogra, alternando os dias. Ela sempre tinha em mente a recomendação do Mestre Huang de evitar suspeitas, controlando seu temperamento, obedecendo à sogra em tudo e tratando-a como se fosse sua própria mãe.

Com o passar de seis meses, a família inteira passou por uma transformação notável. Lin aprendeu a controlar seu temperamento e raramente se irritava. Durante esse período, ela não teve uma única discussão com a sogra, que também se tornou muito mais amável. As atitudes da sogra mudaram a ponto de ambas começarem a se tratar como mãe e filha. Esta história destaca como a compreensão, a paciência e a empatia podem transformar relacionamentos conflituosos em laços familiares mais fortes.

Nesse dia, Lin procurou o Mestre Huang para pedir ajuda:

"Mestre, por favor, ajude-me a evitar que o veneno que estou dando à minha sogra a mate. Ela se tornou uma mulher tão agradável, e agora gosto dela como se fosse minha mãe. Não quero que ela morra por causa do veneno que tenho dado."

Mestre Huang sorriu e balançou a cabeça:

"Lin, não se preocupe. Sua sogra não mudou. Quem mudou foi você. As ervas que lhe dei são vitaminas para melhorar a saúde. O veneno estava em suas atitudes, mas foi gradualmente substituído pelo amor e carinho que você começou a dedicar a ela."

Essa história ilustra como o amor, assim como todas as outras virtudes da alma, se desenvolve por meio do autoconhecimento e da prática constante. Mostra que a mudança positiva nas relações e a transformação pessoal podem ser alcançadas através do cuidado, compreensão e empatia em vez de atitudes prejudiciais.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A MULHER EQUIVOCADA


O Evangelho narra que, naqueles dias de festa, havia grande tumulto nas ruas. Em dado momento, em meio a um grande alvoroço, um grupo de fariseus lançou aos pés de Jesus uma jovem mulher, flagrada em adultério.

Para o povo de Israel, a definição de adultério diferia entre homens e mulheres. Um homem só era acusado de adultério se mantivesse relações com uma mulher casada ou comprometida, pois entendia-se que, ao fazê-lo, ele agredia outro homem. Por outro lado, quando uma mulher cometia adultério, considerava-se que ela agredia o matrimônio.

A suspeita de adultério deveria ser submetida à prova da "água amarga". A mulher suspeita deveria ingerir uma bebida desagradável feita com pó coletado no Templo. Se ela vomitasse ou adoecesse após a ingestão, era considerada culpada.

Aquela mulher que os fariseus levaram até Jesus havia sido surpreendida em flagrante adultério. A pena para tal ato era a morte. Os fariseus a submeteram ao julgamento de Jesus. Na verdade, embora tivessem olhos atentos para todas as faltas alheias, o objetivo naquele momento era mais aproveitar o incidente para armar uma cilada ao Profeta de Nazaré do que zelar pela pureza do matrimônio.

Eles a jogaram no chão, e ela ali ficou, sem coragem sequer de erguer os olhos. Sabia que havia delinquido e conhecia a penalidade. Sabia, igualmente, que ninguém teria piedade dela. Ninguém, exceto Ele.

Enquanto a indagação dos fariseus aguardava uma resposta do Rabi sobre a pecadora, Ele se inclinou e traçou na areia do pavimento caracteres misteriosos.

O que Ele estaria escrevendo? O nome do cúmplice que havia fugido? O nome do marido que, ferido no orgulho, permitia que sua esposa fosse tão vilmente tratada?

Diversos intérpretes do texto evangélico narram que Ele estaria grafando a marca moral do erro de cada um dos presentes. Curiosos, aqueles que ali esperavam a sentença de morte, para se extasiarem no espetáculo de sangue e impiedade, podiam ler: "ladrão", "adúltero", "caluniador", etc. Em síntese, suas próprias mazelas morais.

A expectativa crescia. Jesus se ergueu e percorreu com o olhar perscrutador a turba dos acusadores, que sentiram ser atingidos em sua intimidade, e disse tranquilamente: "Aquele dentre vós que estiver sem pecado, atire-lhe a primeira pedra."

 Em silêncio, os circunstantes começaram a se afastar, um a um, começando pelos mais velhos, pois os mais velhos carregam consigo uma maior soma de enganos e problemas, remorsos e amarguras.

No meio da indecisão geral, Jesus voltou a traçar na areia sinais enigmáticos. Quando o silêncio se instalou, Ele se levantou. Ali estava a mulher, à espera de seu castigo. Se todos os demais haviam partido, ela deveria esperar d'Ele a sentença e a execução.


O Divino Pastor considerou a fragilidade do ser humano e, compadecido com suas misérias morais, disse-lhe: "Mulher, onde estão aqueles que te acusavam? Ninguém te condenou?"

"Ninguém, Senhor", ousou responder, com a voz embargada.

Então, em vez do sibilar mortífero das pedras, ela ouviu as palavras de perdão e de vida: "Nem eu tampouco te condeno: vai e não peques mais!"

O espírito Amélia Rodrigues, no livro "Pelos Caminhos de Jesus", relata que, naquela noite, a mulher que errara procurou o Mestre na residência que o acolhia. Ela falou da fraqueza que a dominara nos dias de sua mocidade, sentindo-se sozinha.

O esposo, poucos dias após o matrimônio, retomara as noitadas alegres e despreocupadas com os amigos. Ela, sentindo-se carente, cedera ao cerco do sedutor, que a brindava com atenção e pequenos mimos. Nada disso a desculpava, ela reconhecia. E agora, consumada a tragédia, para onde iria? O esposo não a aceitaria de volta, especialmente após o espetáculo público. Também não poderia contar com a proteção paterna, pois fora levada à execração pública, não tendo recebido simplesmente uma carta de repúdio, o que poderia ter servido até como indenização ao seu pai, já que o marido que assim procedesse deveria devolver uma parte do dote da noiva ao sogro. Não havia lugar para ela em Jerusalém. O que seria dela, sozinha e desprotegida?

O Mestre lhe acenou com horizontes de renovação, discorrendo sobre como a memória do povo é duradoura em relação às faltas alheias. Ela sentiu, nas entrelinhas, que deveria buscar outros lugares, paragens onde não a conhecessem, nem ao drama que acabara de viver.

Na despedida, Jesus a confortou: "Há sempre um lugar no rebanho do amor para as ovelhas que retornam e desejam avançar. Onde quer que vás, eu estarei contigo, e a luz da verdade, no archote do bem, brilhará à frente, clareando o teu caminho."

Dez anos se passaram, e ei-la em Tiro, em uma casa humilde, onde acolhe peregrinos cansados e enfermos desamparados. Ela erguera ali um refúgio de amor. Jamais esquecera daquele entardecer e da entrevista noturna.

Tornara-se uma divulgadora da Boa Nova. De seus lábios brotavam espontaneamente referências ao Doce Rabi, alentando as almas, enquanto cuidava das chagas dos corpos doentes.

Foi em um final de tarde que lhe trouxeram um homem à beira da morte. Ela o lavou e tratou-lhe as chagas. Deu-lhe caldo reconfortante e, tão logo percebeu que ele estava aliviado das dores, ofereceu-lhe uma mensagem de encorajamento, em nome de Jesus.

Emocionado, ele confessou que conhecera o Galileu em um infausto dia em Jerusalém. Odiara-O, então, porque Ele salvara a mulher que cometera adultério, sua esposa, mas não tivera para com ele, o ofendido, nenhuma palavra.

O tempo fez com que ele refletisse sobre como se equivocara em seu julgamento. Confessou que, há algum tempo, vinha buscando a companheira, procurando-a em muitos lugares, sem êxito. Até que a doença visitou seu corpo, consumindo-lhe as energias.

Embargada pelas emoções desenfreadas naquele momento, a mulher se recordou da praça e do diálogo à noite com o Mestre, um decênio antes, reconheceu o companheiro do passado e, sem dizer-lhe nada, segurou-lhe a mão suavemente e o consolou: "...Deus é amor, e Jesus, por isso mesmo, nunca está longe daqueles que O querem e buscam. Agora durma em paz enquanto eu velo, porquanto, nós ambos já O encontramos.