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sábado, 19 de maio de 2018

PARÁBOLA DAS DEZ VIRGENS



O reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo. E cinco delas eram prudentes, e cinco insensatas. As insensatas, tomando as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo. Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, com as suas lâmpadas. E, tardando o esposo, tosquenejaram todas, e adormeceram. Mas à meia-noite ouviu-se um clamor: Aí vem o esposo, saí-lhe ao encontro. Então todas aquelas virgens se levantaram, e prepararam as suas lâmpadas. E as loucas disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas se apagam. Mas as prudentes responderam, dizendo: Não seja caso que nos falte a nós e a vós, ide antes aos que o vendem, e comprai-o para vós. E, tendo elas ido comprá-lo, chegou o esposo, e as que estavam preparadas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta. E depois chegaram também as outras virgens, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos. E ele, respondendo, disse: Em verdade vos digo que vos não conheço. Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia e nem a hora. Mateus 25, 1-13.

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 Embora muitas interpretações desta parábola tenham um enfoque escatológico, as palavras de Jesus oferecem múltiplas perspectivas. É plenamente possível entendê-la não apenas como uma visão do fim dos tempos, mas também como um convite ao autoconhecimento. 

Ao utilizar elementos de um casamento tradicional judeu como pano de fundo, Jesus destaca a ideia de uma união cósmica e de uma conexão profunda, como um pilar que sustentará todas as outras imagens e mensagens contidas no texto. 

A parábola descreve o encontro de dez virgens com o noivo. Segundo a tradição judaica, durante a cerimônia de casamento, a noiva era acompanhada por suas amigas no trajeto até o noivo. Este, por sua vez, também caminhava em direção à casa da noiva, ladeado por seus amigos. 

No entanto, na parábola, Jesus omite qualquer menção à noiva, focando apenas em suas amigas, as virgens. Isso se dá porque Jesus não alude a um casamento terreno, mas sim à união entre a humanidade — o Seu rebanho — e Ele mesmo, o divino pastor..

Simbolicamente, Jesus é retratado como o noivo da humanidade, conforme evidenciado em Mateus 9:14-17. Essa representação também é reforçada na resposta à questão 309 do livro "O Consolador", ditado pelo espírito Emmanuel e psicografado por Chico Xavier.

Um dos pontos centrais da parábola é a analogia do reino dos céus com as dez virgens que se dirigem ao encontro do noivo. Jesus frequentemente se referiu ao "reino dos céus", utilizando diversas metáforas e elementos cotidianos da vida do povo judeu para facilitar a compreensão. Em Lucas 17:20-21, o Mestre clarifica sua mensagem, declarando que o reino não se localiza externamente, mas reside no interior de cada indivíduo. Isso sublinha que o "reino dos céus" não é um lugar físico, mas sim um estado interno de harmonia, equilíbrio e regência pelo amor incondicional.

É fascinante observar que as virgens, quando comparadas ao reino dos céus, avançam em direção ao noivo. Isso sugere que esse estado interno de harmonia, equilíbrio e domínio pelo amor incondicional não é algo passivamente recebido, mas sim uma conquista ativa. Está intrinsecamente ligado aos movimentos e esforços da alma em sua jornada evolutiva. 

Destaca-se, neste prisma, os movimentos pelo autoconhecimento. Sem essa introspecção e esforço consciente, é impossível transformar emoções e sentimentos desequilibrados em estados mais harmoniosos.

A escolha do número dez na parábola também é significativa. Na tradição judaica, os números carregam profundos significados simbólicos. O número dez, em particular, representa perfeição e totalidade. Assim, as dez virgens podem ser vistas como um símbolo da busca completa e perfeita pela harmonia interior e pelo amor incondicional.

Na parábola, as dez virgens não representam uma unidade perfeita e coesa, pois enquanto metade delas é descrita como prudente, a outra metade é caracterizada como imprudente. Assim, a imagem das dez virgens ilustra uma totalidade que, apesar de completa, possui suas metades em desequilíbrio.

Esta analogia pode ser estendida à humanidade atualmente encarnada no planeta. Em um mundo de provas e expiações como o nosso, o psiquismo humano, devido aos seus inúmeros conflitos internos, apresenta-se fragmentado. Existe uma parte de nós que é consciente e conhecida, enquanto outra permanece oculta e misteriosa. Há uma faceta que age com prudência e discernimento, e outra que pode ser impulsiva e até assustadora. Da mesma forma, enquanto uma parte de nós consegue controlar e dominar nossas tendências, a outra pode estar repleta de imperfeições e vícios que, por vezes, sobrepõem-se à nossa razão. Esta dualidade reflete a contínua luta interna que muitos enfrentam em sua jornada espiritual e evolutiva.

Joana de Angelis, através da série psicológica psicografada por Divaldo Franco, faz alusão ao pensamento de Carl Jung para elucidar aspectos profundos da psique humana. Segundo essa perspectiva, a parte desconhecida da personalidade abriga conteúdos psíquicos que o EU (ou SELF, conforme a terminologia junguiana) não reconhece conscientemente. Estes conteúdos estão armazenados no que é chamado de inconsciente profundo.

Este repositório oculto do inconsciente muitas vezes exerce uma influência poderosa sobre nossas ações e decisões, levando-nos, em certas ocasiões, a agir de maneiras que nos surpreendem e até mesmo contradizem nosso entendimento consciente de nós mesmos. É como se houvesse uma força interna, muitas vezes não reconhecida, que direciona certos aspectos de nossa vida.

Dada a influência profunda e, por vezes, misteriosa do inconsciente sobre o comportamento humano, não é surpreendente que o autoconhecimento tenha sido um tema recorrente nas parábolas de Jesus. Ele enfatizou a importância de olhar para dentro, de reconhecer e integrar todas as partes de nós mesmos, para viver uma vida mais plena e alinhada com o amor e a verdade divinos. 

Outro aspecto marcante da parábola é o sono que acomete todas as virgens. Mesmo estando equipadas com suas lamparinas, em determinado ponto da espera pelo noivo, todas adormecem devido à sua demora.

O sono, neste contexto, pode ser interpretado como uma metáfora para a inércia espiritual. Representa a estagnação e a inatividade do espírito, simbolizando a ausência do esforço contínuo e necessário para o autoconhecimento. Esse estado de "sono" reflete o comodismo, o desinteresse e o descaso na jornada de despertar da consciência. É uma postura passiva diante da vida e da evolução espiritual.

Essa inércia, simbolizada pelo sono, prende o ser humano ao estágio evolutivo em que se encontra, atuando como uma espécie de anestesia para a vontade e o ímpeto de crescimento. Em vez de avançar e buscar a iluminação e o entendimento, a alma permanece adormecida, perdendo oportunidades valiosas de evolução e aprendizado.

O momento em que as virgens são despertadas pela chegada inesperada do noivo é, sem dúvida, o clímax da parábola. Jesus, em sua maestria, utiliza simbolismos profundos e transcendentais para transmitir seus ensinamentos. A chegada do noivo à meia-noite não é um detalhe trivial. A meia-noite, marcada pelo encontro dos ponteiros do relógio, simboliza o fim de um ciclo e o início de outro. 

Dentro desse contexto, a chegada do noivo nesse momento específico sugere que o despertar espiritual pode ocorrer justamente quando menos esperamos, no limiar entre duas fases de nossa existência. É um lembrete de que a oportunidade para a transformação e o crescimento espiritual pode surgir a qualquer momento, e que devemos estar sempre preparados e vigilantes para recebê-la.

Nas cartas de Paulo aos Romanos, capítulo 13, versos 11-12, destaca-se a advertência do apóstolo do Cristo: “Reconheceis o momento em que viveis, já é hora de despertar do sono. A noite está avançada, o dia se aproxima. Rejeitemos, pois, as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz.”

A parábola aponta para o despertar da consciência, porque a humanidade já se encontra em condições de realizá-la. Ao despertarem, as virgens percebem que não podem mais seguir juntas, porque durante o sono suas lamparinas se apagaram e metade delas não tinha azeite suficiente para mantê-las acesas.

 As virgens insensatas representam as máscaras que criamos para sustentar nossas pseudo-virtudes. Quando o ser humano não busca o autoconhecimento, quando se recusa a aceitar-se, quando não se perdoa, alimenta para si falsas virtudes, numa tentativa ilusória de compensar-se, acreditando ser o que não é. 

Todo movimento ilusório, do ponto de vista psicológico, um dia perde o combustível e não consegue sustentar-se, levando o ser a experimentar, muitas vezes, um despertar doloroso, como aconteceu com as virgens que, só então, perceberam o quanto se equivocaram.

Surge, novamente, a necessidade de se autodescobrir, para o trabalho de transformação moral, abandonando as máscaras e todos os outros artifícios psicológicos que evitam o despertar da consciência, rumo a plenitude espiritual.

Por fim, pondere-se que a separação das virgens, retrata a divisão de um todo. No caso da parábola, metade luz, metade trevas. Neste aspecto, já advertira o Cristo: “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído. Toda cidade, toda casa dividida contra si mesma não pode subsistir”. Mateus 12:25.

Jesus termina a parábola recomendando orai e vigiai porque não sabemos o dia e a hora.

Aproveitar a encarnação para o exercício do autoconhecimento é missão de todos aqueles que buscam os patamares superiores da vida. O relógio da imortalidade já marcou meia noite. É chegada a hora!




 

 

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O SINAL DE JONAS




Os evangelhos de Lucas e Mateus relatam que, em certa ocasião, um grupo de fariseus se aproximou de Jesus pedindo-lhe um sinal que os convencesse definitivamente de que Ele era o Messias esperado. Jesus respondeu a eles afirmando que nenhum outro sinal lhes seria dado, exceto o sinal de Jonas, que passou três dias e três noites no ventre do grande peixe. 

 Trata-se de um texto que exige reflexões, porque o seu conteúdo espiritual não está aparente. Ao leitor desatento, a resposta de Jesus aos fariseus parece perfeita. Os fariseus pedem a Jesus um sinal e o Mestre lhes diz que o sinal será Sua ressurreição.

 No entanto, a resposta dada aponta para um conteúdo espiritual que deve ser meditado, pois Jesus não proferiu uma única palavra que carecesse de um profundo ensinamento, e também não recorreu a expedientes para atender à hipocrisia dos fariseus.

Por isso, a questão que se coloca é: quem é Jonas? Por que Jesus nos remete a Jonas? Que lições esse personagem possui para nos transmitir? 

A história está registrada no Velho Testamento, no livro de Jonas. Trata-se de um livro bastante breve, com apenas quatro capítulos, que narra uma história aparentemente simples, porém repleta de conteúdo espiritual profundo.

O profeta Jonas relata que Deus o incumbiu da missão de ir até a cidade pagã de Nínive, a capital da Assíria, que era habitada por pessoas perversas e más e que eram inimigas ferrenhas de Israel. A tarefa designada a Jonas consistia em pregar ao povo e adverti-los de que o Deus de Israel os destruiria devido ao seu comportamento imoral. 

Jonas, contudo, recusa essa incumbência e foge da presença de Deus. Ele segue na direção oposta e desce ao porto de Jope, onde embarca no primeiro navio disponível, com destino a Tarsis. Enquanto está em alto mar, surge uma tempestade violenta que ameaça naufragar o navio.

Os marinheiros, em estado de desespero, começam a lançar ao mar as cargas pesadas para aliviar o peso da embarcação. Enquanto isso, Jonas permanece sem se preocupar e desce ao porão do navio, onde acaba adormecendo profundamente. 

Diante da tempestade, os marinheiros, cada um invocando seu próprio deus, concluem que alguém a bordo deve estar provocando a ira divina, o que causa o caos no navio. Decidem então lançar sortes para determinar quem era o culpado por essa calamidade.

A sorte recai sobre Jonas, e eles o questionam a respeito de sua responsabilidade na situação. Jonas relata-lhes toda a sua história e a missão que Deus lhe confiara. Impressionados, os marinheiros lançam Jonas ao mar, buscando aplacar a cólera divina. Nesse exato momento, surge um grande peixe, enviado por Deus, que engole Jonas, onde ele permanece por três dias e três noites. 

Durante esses três dias e três noites dentro do peixe, Jonas sente-se imerso no abismo, nas profundezas do inferno. Profundamente arrependido de suas ações, ele suplica por misericórdia divina.

Nesse momento, o peixe vomita Jonas em terra firme. Deus, então, aparece novamente a Jonas e lhe reitera a mesma tarefa que ele havia abandonado, ordenando-o a pregar em Nínive. 

Jonas, finalmente, decide obedecer e parte para Nínive. Lá, permanece por quarenta dias, pregando ao povo sobre a vontade de Deus e alertando sobre a iminente destruição da cidade. Os ninivitas, ao ouvirem a mensagem de Jonas, sentem-se profundamente tocados e começam a crer no Deus de Israel, mudando seus caminhos de forma definitiva.

Diante desse arrependimento sincero, Deus demonstra misericórdia e não executa a destruição anunciada. No entanto, Jonas fica descontente e inconformado com o fato de Deus ter poupado os ninivitas, que eram seus inimigos declarados. Ele expressa sua frustração em oração, pedindo que Deus lhe tire a vida, pois preferiria morrer a testemunhar a compaixão de Deus para com seus inimigos. 

Deus, em resposta às súplicas de Jonas, não lhe retira a vida, mas faz crescer uma grande planta sobre sua cabana, proporcionando-lhe sombra e frescor. Jonas se alegra imensamente com isso. Entretanto, Deus envia um verme para destruir a planta, deixando Jonas novamente exposto ao sol escaldante.

Nesse momento, Jonas expressa sua frustração e pede novamente a Deus que lhe seja tirada a vida. Deus, por sua vez, questiona Jonas sobre sua intensa revolta diante da perda de uma simples árvore. Ele acentua que essa árvore não foi plantada por Jonas e surgiu e desapareceu em um único dia. Deus utiliza essa situação para fazer Jonas compreender que se ele sentiu compaixão por uma planta, quanto mais Deus deve sentir compaixão pelo povo de Nínive, que é um povo que mal conhecia a diferença entre suas mãos.

 E, assim, termina a história de Jonas. 

Alguns aspectos da história de Jonas merecem uma reflexão cuidadosa. Antes de tudo, é importante destacar que o final do texto, escrito aproximadamente entre o século V e VII a.C., apresenta uma visão de Deus diferente daquela revelada por Moisés.

O texto sugere um Deus de amor, paciente com todos, que não se cansa diante das fraquezas humanas, do egoísmo, da falta de vontade e do orgulho de seus filhos. Ele é retratado como um Deus que oferece oportunidades de recomeço e que nunca nos abandona, mesmo quando nos encontramos nas sombras devido à nossa própria rebeldia. Esse aspecto enfatiza a misericórdia e a compaixão divina, ressaltando o desejo de Deus de oferecer oportunidades para que as pessoas se redimam e se transformem. 

O final do texto ressalta um padrão mental humano equivocado, marcado pelo egocentrismo e egoísmo. Mostra como muitos buscam o amor de Deus apenas para si mesmos, acreditando merecer perdão e misericórdia, enquanto secretamente desejam a punição daqueles que os ofenderam. 

O início do texto, que apresenta a missão de Jonas, é de fato um ponto importante de reflexão. A missão atribuída a Jonas nos convida a refletir sobre nossa própria missão e propósito na vida, pois a cada ser humano é confiado  uma missão singular que está alinhada com suas necessidades evolutivas. 

Entre as diversas missões que Deus confia a Seus filhos, a mais relevante é a missão no lar, ao lado daqueles a quem Jesus colocou ao nosso lado, ou seja, nosso próximo mais próximo. 

Jonas simboliza o psiquismo que decide rejeitar a missão divina que lhe foi confiada e faz uso equivocado do livre arbítrio, optando pela fuga. Ao evadir-se de sua tarefa, Jonas imediatamente inicia um processo de queda, revelando, assim,  uma lei divina e universal. Três momentos evidenciam essas quedas de Jonas: ele desce a Jope, desce ao navio e desce ao porão da embarcação, entregando-se a um profundo sono, caracterizado pela inércia, irresponsabilidade e conformismo. 

É exatamente isso que acontece quando fugimos da missão que Deus nos confiou: fazemos um movimento de queda vibratória. 

O lar é a nossa Nínive, onde estão aqueles espíritos ligados a nós pelos laços mais santos. Perdoar e servir a esposa ou o esposo complicado, o filho rebelde, o irmão ignorante e cheio de vícios, a sogra perturbada, o genro orgulhoso, a nora cega de vaidade, o pai e a mãe muitas vezes difíceis, incompreensíveis, insensíveis, castradores, entre outros, é realmente um desafio. Diante desse quadro, muitos optam por fugir. 

Essa fuga se manifesta de diversas maneiras, como passar mais tempo fora de casa envolvido em diferentes atividades; em outras ocasiões, ocorre através do mergulho nos vícios, bem como em outros relacionamentos, ou até mesmo por meio de enfermidades. É notável quantas patologias podem ser entendidas como verdadeiras tentativas de escapar das responsabilidades e desafios que o convívio no lar e com aqueles que nos são mais próximos apresentam. No entanto, enfrentar essas situações de frente, com amor, paciência e compreensão, pode levar a um crescimento pessoal profundo e ao fortalecimento dos laços familiares, transformando o lar em um espaço de aprendizado e evolução espiritual. 

Todas as nossas quedas morais resultam do uso equivocado do livre arbítrio, nos conduzindo por um caminho de descida e queda. No entanto, Deus nunca nos abandona. Ele proporciona novas oportunidades àqueles que cometem erros e caem. O recomeço coloca o viajante na mesma encruzilhada que antes recusou seguir. A mesma tarefa é novamente confiada a ele. Isso também aconteceu com Jonas; depois de reconhecer seu erro, pedir uma nova chance e passar por um longo período de quedas, tormentos e escuridão, Deus o enviou mais uma vez a Nínive.

Analisemos o perfil de Jonas e façamos uma reflexão bastante sincera,  buscando identificar os traços de Jonas em nós. e tenhamos ânimo e coragem para sermos fiéis aos compromissos que Deus nos confiou, a fim avançarmos, deixando para traz o ponto a que temos nos demorado tanto.



terça-feira, 5 de setembro de 2017

ABORTO, NA VISÃO ESPÍRITA


aborto e culpa
No "Livro dos Espíritos", em resposta à questão 614, a espiritualidade destaca a observância das leis divinas como o único caminho para a conquista da felicidade humana. Esse guia espiritual indica o que o indivíduo deve ou não fazer, e argumenta que a infelicidade ocorre quando há um afastamento dessas leis divinas.
A revelação espírita proporciona clareza ao afirmar que todas as escolhas contrárias às leis morais resultam em dor e sofrimento. Portanto, segundo os espíritos imortais, o homem é o arquiteto de seu próprio destino.
O espírito, criado em simplicidade e ignorância, possui um caminho seguro inscrito em seu psiquismo para alcançar a paz e a felicidade, conforme indicado na questão 621 do "Livro dos Espíritos". Este caminho se baseia na observância das leis morais, que estão impressas em sua essência psíquica.
Contudo, dotado de livre-arbítrio, o espírito tem a prerrogativa divina de escolher entre a felicidade e a infelicidade. Esta escolha se dá conforme a sua decisão de agir em conformidade ou em desacordo com essas leis morais. Assim, Deus lhe concede a liberdade de escolher seu próprio destino, seja ele de paz e contentamento ou de dor e sofrimento.
O ser humano, contudo, frequentemente opta por desviar-se do plano de felicidade esboçado por Deus, devido às suas próprias imperfeições. Muitas vezes, ele escolhe seguir um caminho autônomo, marcado pelo imediatismo e pelas ilusões que o mundo material oferece. Essa trajetória não apenas falha em conduzi-lo a um destino significativo, mas também deixa marcas profundas em sua alma, resultantes das quedas morais ocasionadas por suas escolhas equivocadas
O dilema das escolhas equivocadas não reside apenas em suas consequências imediatas, mas também no autojulgamento que eventualmente se manifestará, despertando sentimentos de culpa na consciência. Essa culpa, se não for enfrentada de maneira madura, tem o potencial de levar ao adoecimento da alma.
O espírito Joana de Angelis, no livro "Conflitos Existenciais", psicografado por Divaldo Franco, destaca que "a culpa é o resultado da raiva que alguém sente contra si mesmo, voltada para dentro, em forma de sensação de algo que foi feito erradamente". Essa perspectiva sublinha a importância de uma abordagem introspectiva e madura para lidar com os erros e falhas, a fim de evitar o desgaste emocional e espiritual que a culpa não resolvida pode causar.
A referência literária mais antiga sobre o dilema da consciência culpada pode ser encontrada no livro de Gênesis, especificamente na narrativa de Adão e Eva. Após consumirem o fruto proibido, ambos começam a sentir o desconforto da culpa em suas consciências. Isso ocorre porque é na consciência que estão inscritas as leis divinas. Sentindo o peso de uma consciência culpada, o casal tenta esconder sua própria nudez da presença de Deus.
Este ato simbólico revela que a sensação de culpa pode desencadear no ser humano um sentimento de impureza da alma, algo que se sente compelido a ocultar. A narrativa de Adão e Eva ilustra de forma arquetípica como a culpa pode afetar não apenas nosso comportamento, mas também nossa percepção de nós mesmos e nossa relação com o divino.
A narrativa de Adão e Eva pode ser vista como uma metáfora universal para a experiência humana, ilustrando o que ocorre quando nos afastamos das leis divinas para seguir as ilusões e tentações do mundo material. 
Depois de infringirem a ordem divina, consubstanciada no consumo do fruto proibido, Adão e Eva são expulsos do Éden e experimentam uma queda moral. Passam a enfrentar todas as tribulações e sofrimentos que são típicos daqueles que fazem escolhas imprudentes, vivendo, a partir daí, com o fardo da culpa pesando em suas consciências. 
Os personagens de Adão e Eva atuam como arquétipos que representam modelos humanos de falência moral. Eles simbolizam as quedas, os erros, os equívocos e a consciência afligida pela culpa que aflige todos aqueles que se desviam dos princípios éticos e morais. Sua história oferece uma visão penetrante dos desafios que a humanidade enfrenta ao equilibrar o livre-arbítrio com a responsabilidade moral, bem como as consequências dolorosas que podem advir dessa luta interna. É uma narrativa eternamente relevante, pois alerta sobre os desdobramentos espirituais e emocionais de nossas escolhas e aponta para a necessidade contínua de crescimento e redenção moral.
Em contrapartida, o arquétipo de Jesus representa o ideal do "homem de bem", cuja consciência está em perfeita sintonia com Deus e com o universo cósmico. Ele serve como um modelo de integridade moral e espiritual, um exemplo de como viver em conformidade com princípios éticos e leis divinas.
Jesus veio ao mundo com a missão de estabelecer um novo padrão, um novo referencial para a humanidade. Seu ensinamento e sua vida oferecem um caminho alternativo ao ciclo de erros e quedas morais simbolizados pela história de Adão e Eva. Ele ilustra a possibilidade de redenção e crescimento espiritual, demonstrando que é possível viver uma vida de amor, compaixão e justiça, mesmo em um mundo marcado pelo sofrimento e pela imperfeição.
Assim, enquanto Adão e Eva nos mostram as consequências de se desviar das leis morais e éticas, Jesus nos oferece uma visão do que pode ser alcançado quando alinhamos nossas vidas com esses princípios divinos. Ele serve como um farol de esperança e orientação, mostrando o potencial humano para a grandeza moral e a união com o Divino.
O tema do aborto, considerado à luz dos arquétipos e princípios mencionados, é realmente um dos tópicos mais complexos e polêmicos no âmbito da ética e da moral. Ele converge múltiplas facetas da experiência humana — desde o direito inalienável à vida até a autonomia da mulher sobre seu corpo, passando pelas responsabilidades morais e éticas que pesam sobre a decisão.
O tema do aborto, quando considerado dentro do contexto da doutrina espírita, adquire dimensões espirituais específicas. De acordo com a visão espírita, a lei da reprodução é uma lei divina que facilita o processo de reencarnação, dando ao espírito uma nova oportunidade para aprender, crescer e se redimir de erros passados. Nesse sentido, o ato de interromper uma gestação é visto como a negação dessa oportunidade preciosa ao espírito que estava destinado a reencarnar.
Seguindo essa linha de pensamento, a decisão de realizar um aborto poderia ser comparada à desobediência simbólica de Adão e Eva às leis divinas. Em outras palavras, seria uma escolha que se afasta dos princípios morais e éticos, podendo resultar em consequências espirituais e emocionais para todos os envolvidos. 
Infelizmente, o aborto ainda é tolerado pela sociedade, que muitas vezes se organiza para pressionar as autoridades mundiais a fim de obter sua legalização. Essa pressão ocorre com irracional desprezo pelo fato, comprovado pela ciência, de que a vida se inicia no momento da concepção. A doutrina espírita é esclarecedora neste aspecto, afirmando que o aborto é sempre um crime. As consequências espirituais recairão sobre a mulher que o praticou e sobre todos aqueles que, de qualquer forma, contribuíram para sua consumação, por menor que seja a contribuição ofertada. 
Debate-se muito a respeito do direito de decidir sobre o momento de exercer a maternidade. É preciso considerar, no entanto, que esse direito, embora legítimo, encontra limite no direito à vida do espírito já ligado ao óvulo fecundado. O direito de um termina quando começa o do outro, e o maior de todos os direitos é o de viver. Abortar, mesmo que seja no dia seguinte à concepção, é matar e, portanto, comprometer-se diante da lei divina. 
Mesmo no caso de estupro, o aborto é condenável, pois a criança, fruto do estupro, é inocente e não tem qualquer responsabilidade por um delito no qual não tomou parte. Nenhuma gravidez ocorre sem a permissão divina. A gravidez é uma experiência definida no projeto reencarnatório tanto da mulher quanto do homem. 
No caso de estupro, é claro que o crime não foi planejado por Deus. É óbvio que não! No entanto, mentores espirituais aproveitam essa situação dolorosa para trazer um espírito à reencarnação. No caso do estupro, sempre será um espírito muito ligado à mulher, vítima do crime hediondo. Provavelmente, será um ente muito amado, alguém ligado a ela pelos laços mais sublimes do coração. Este aproveita o ato horrível do estupro para se ligar a ela e proporcionar-lhe, com seu amor incondicional, a alegria de viver, ajudando-a a superar o trauma do ato criminoso de que fora vítima. 
Também constitui ação contrária às leis divinas o aborto em casos de má-formação fetal. A má-formação fetal está relacionada com a condição espiritual do espírito que busca desesperadamente, na reencarnação, a oportunidade de reconstruir os padrões energéticos que compõem as tessituras de seu perispírito, danificadas por ações violentas, no passado, provocadas por ele mesmo. 
Negar-lhe a oportunidade de reencarnar é como negar socorro a alguém extremamente necessitado de internação hospitalar. Para esses espíritos, a reencarnação é um tratamento intensivo e de urgência. Para uma melhor compreensão do tema, vale a pena ler o livro "Memórias de um Suicida", da inesquecível médium Yvonne do Amaral.
Somente no caso em que a mãe corre risco de vida é que o aborto é tolerado. 
Todavia, após a escolha equivocada e a consumação do triste ato, é claro que todos os envolvidos colherão, no futuro, os frutos da semeadura que optaram por plantar. Urge, no entanto, que se reergam perante Deus desde agora, pois se o aborto é um crime aos olhos das leis divinas, somente o amor cobre uma multidão de pecados, conforme nos ensinou o Apóstolo Pedro.
Impõe-se, desde já, uma mudança nos padrões mentais, alterando-se o estado de consciência de culpa para o estado de consciência de responsabilidade. A culpa engessa o ser, paralisa-o no caminho e leva-o a agir como Adão e Eva, que fogem da presença de Deus, como se fosse possível a alguém fugir da presença do Pai. A responsabilidade, por sua vez, convida o ser que errou ao trabalho de soerguimento.
Jesus recomendou pegar no arado e não olhar para trás. O arado, à época de Cristo, era um instrumento pesado que exigia força e sacrifício do trabalhador para remover as imperfeições do solo, preparando-o para a semeadura. A imagem é perfeita. 
Urge remover as imensas imperfeições que se têm cultivado no solo dos próprios corações, com sacrifício, coragem e força, para que a semente divina encontre condições emocionais para florescer. 
Diante do erro, a doutrina espírita recomenda trabalho intenso em favor de si mesmo, em busca da própria transformação moral, pois Jesus precisa de todos, mas precisa de todos transformados. 
Trabalhar, amar e servir. Eis as ferramentas para a própria transformação moral, a fim de que o ser se prepare espiritualmente para enfrentar, no futuro, as experiências em que falhou hoje e que serão necessariamente repetidas amanhã.











quinta-feira, 4 de maio de 2017

JUSTIÇA DIVINA, PECADO E PUNIÇÃO


A ideia de justiça divina, concebida pela mente humana ao longo dos séculos, foi completamente reformulada pela revelação espírita. Temas como pecado e punição, que serviam para sustentar o poder religioso de dominação das consciências, foram desmistificados. Pecado e punição são construções humanas; Deus, conforme revelou Jesus, é um Pai Amoroso, Justo e Bom que não castiga nem pune seus filhos, mas os educa para que aprendam a amar.

O Evangelho de João, capítulo 8, versículos 1-11, aborda o tema de forma didática. Jesus havia terminado uma de suas pregações na praça pública quando notou uma agitação entre a multidão. Ao se aproximar para entender o ocorrido, um grupo de fariseus lançou aos seus pés uma jovem mulher flagrada em adultério. Era um grave delito, um pecado que deveria ser punido severamente com a morte por apedrejamento.

As pessoas estavam enfurecidas, indignadas, prontas para fazer justiça, todas com pedras nas mãos para atirar contra a mulher assim que fosse dado o sinal pelo juiz. Jesus chegou no exato momento, e os fariseus submeteram a mulher ao seu julgamento. Ela estava no chão, sem coragem de erguer os olhos para encarar Cristo ou a multidão enfurecida. Era ciente de seu pecado e conhecia bem o castigo que a aguardava.

Os fariseus questionaram Jesus: "Está escrito na Lei de Moisés que esse tipo de pecado deve ser punido com apedrejamento. E você, o que diz?" Antes de responder, Jesus se abaixou e começou a escrever no chão. O Evangelho de João não revela o que ele escrevia, mas muitos interpretam que ele estava listando as falhas morais dos presentes.

Jesus então se ergueu e disse: "Aquele dentre vós que estiver sem pecado, atire a primeira pedra." Sentindo que seus segredos mais íntimos haviam sido descobertos, as pessoas se afastaram em silêncio, começando pelos mais velhos.

Jesus ajudou a mulher a se levantar e perguntou: "Mulher, onde estão os teus acusadores? Ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Vai e não peques mais."

Se Jesus, o ser mais perfeito que já encarnou na Terra, absteve-se de julgar, ninguém mais tem autoridade moral para julgar os erros alheios. A Justiça Divina não se manifesta pela punição, mas pela oportunidade de recomeçar.

No entanto, diante do erro, há quem se entregue à consciência de culpa, punindo-se a ponto de permanecer estagnado na jornada evolutiva. Outros justificam seus erros e enganos culpando terceiros, a vida, o destino e até Deus. A lição do Mestre é outra: levantar e seguir adiante, pois a vida é um movimento constante, conforme as palavras de Cristo: "Meu Pai trabalha até hoje."