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sábado, 31 de março de 2018

A ÚLTIMA CEIA


A tradição católica celebra a Paixão, Morte e a ressurreição de Jesus Cristo, em cerimoniais litúrgicos que em data definida no calendário católico, conhecida como Semana Santa. O Domingo de Páscoa, nessa tradição, é dedicado à celebração da ressurreição de Jesus, simbolizando, sobretudo, a vitória da vida sobre a morte.

A Páscoa judaica é uma das celebrações mais significativas para o povo judeu, pois marca a libertação dos hebreus da escravidão no Egito, que se estendeu por aproximadamente quatrocentos anos. Notavelmente, os últimos dias de Jesus na Terra coincidiram com as festividades dessa Páscoa judaica

Jerusalém era uma cidade santa para o povo judeu, pois abrigava o grandioso Templo de Salomão, onde se realizavam as principais cerimônias religiosas. Por essa razão, durante as celebrações, a cidade se enchia de peregrinos. Pessoas de toda a Palestina partiam em romaria rumo a Jerusalém para participar das festividades da Páscoa, que se estendiam por oito dias.

No entanto, naqueles dias, Jesus, que era judeu, estava ausente de Jerusalém. Ele havia se dirigido com seus discípulos para Betânia, atendendo ao chamado de amigos muito queridos: Marta e Maria, irmãs de Lázaro.

As irmãs enviaram mensagem a Jesus, implorando sua presença, pois Lázaro estava gravemente doente (João 11, 1-3). Jesus, ao chegar em Betânia, descobre que Lázaro já estava no sepulcro há quatro dias e que seu corpo já exalava mau odor (João 11, 39)

Jesus, diante de um expressivo número de testemunhas, dirigiu-se ao sepulcro e ordenou: "Lázaro, sai para fora!" (João 11:43). Esse foi o milagre mais notável realizado por Ele. As pessoas presentes ficaram perplexas e maravilhadas. Nunca antes na história alguém havia feito algo semelhante. A notícia desse fenômeno espalhou-se rapidamente por toda a Palestina. Muitos viajaram até Betânia para verificar os fatos e se depararam com a extraordinária realidade: Lázaro estava vivo!

Jesus retorna a Jerusalém, cidade que estava repleta de pessoas devido às comemorações da Páscoa. Ao saber que Jesus estava a caminho de Jerusalém (João 12:12), o povo, em êxtase, entoou hinos e salmos, lançando ramos de palmeiras ao chão para criar um tapete verde em homenagem à passagem do rei. Após o milagre da ressurreição de Lázaro, o povo não tinha mais dúvidas: Jesus era o rei, o Messias esperado que viria para libertar os judeus do domínio romano.

Jesus entra na cidade, mas não da maneira tradicional da época, quando os reis, após vencerem guerras, faziam sua entrada triunfal montados em cavalos e corcéis majestosos. Jesus, o Príncipe da Paz, adentra a cidade montado em um jumento, simbolizando que sua vitória é sobre o mundo e que seu reino é fundamentado no amor e na paz.

Os fariseus já haviam decidido que Jesus deveria morrer (João 11:53-57), mas não se atreveram a prendê-lo diante do povo em êxtase. Era necessário capturá-lo em um momento de isolamento. Jesus, ciente de sua situação, não evitava os fariseus e sabia que sua hora de partir estava próxima (João 11:1). No entanto, Ele tinha um desejo ardente de celebrar a última ceia da Páscoa com seus discípulos (Lucas 22:11). Por isso, buscava um local seguro para se reunir com eles, longe dos olhares e mira farisaica. 

Jesus, então, envia Pedro e João às portas da cidade com uma missão: encontrar um homem carregando um cântaro. Esse homem os conduziria até sua casa, onde celebrariam a última ceia. O homem do cântaro, uma figura misteriosa cujo nome e origem não são registrados nos evangelhos, generosamente ofereceu sua casa para que Jesus e seus discípulos realizassem a celebração (Lucas 22:8-13). 

A última ceia, também conhecida como a ceia da Páscoa, nos legou inúmeros ensinamentos. A descrição desse momento nos quatro evangelhos é repleta de conteúdo espiritual, tão vasto que é desafiador enumerar todos os pontos sem tornar a leitura exaustiva. 

Por isso, selecionamos três tópicos para uma breve reflexão.

1- Na última ceia, Jesus anunciou a vinda do Consolador prometido, interpretado por alguns como a doutrina espírita. Conforme João 14:15-26: "Se me amais, guardai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre." (João 14:15) "Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito." (João 14:26). 

A doutrina espírita não foi concebida pelos homens do mundo, mas revelada ao mundo pelas vozes celestiais. Allan Kardec foi o instrumento escolhido por Jesus para codificar os ensinamentos oriundos do além. Da mesma forma que Moisés recebeu os Dez Mandamentos diretamente dos céus, Allan Kardec, com a ajuda de diversos médiuns, recebeu das esferas sublimes, cumprindo-lhe apenas sistematizar e codificar os conteúdos transmitidos pelos espíritos. 

O espiritismo representa a concretização da promessa feita por Jesus naquela última ceia. Pois, após Ele, nenhuma outra doutrina religiosa ou filosófica chegou à Terra proveniente dos céus.

O espiritismo reaviva os ensinamentos do Cristo, fornecendo a chave para a interpretação de diversos textos que, à primeira vista, parecem enigmáticos. Isso porque, naquela época, o mundo ainda não estava preparado para compreender todos os ensinamentos transmitidos pelo Senhor.

Foi necessário que a humanidade progredisse em conhecimentos filosóficos e científicos para adentrar nos ensinamentos profundos ministrados pelo Cristo. Esse avanço também foi crucial para a compreensão dos temas abordados nas cinco obras que compõem a doutrina espírita: "O Livro dos Espíritos", "A Gênese", "O Livro dos Médiuns", "O Céu e o Inferno" e "O Evangelho Segundo o Espiritismo".

2- Foi também naquela última ceia que Jesus destacou as duas maiores virtudes que a humanidade deve cultivar. Conjugadas nos verbos "amar" e "servir", elas habilitam o ser humano a aspirar à angelitude.

O verdadeiro amor é a manifestação de todas as outras virtudes. Quem ama, perdoa incondicionalmente. Quem ama demonstra paciência, tolerância, misericórdia, mansidão e é, ao mesmo tempo, pacífico e pacificador.

O apóstolo Paulo, ao abordar o tema do amor em sua primeira carta aos Coríntios, fez isso de maneira tão bela e profunda que sua mensagem foi transformada em versos e reverberou pelo mundo.“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como um bronze que ressoa ou como o prato que retine.  Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei.  Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá.

Naquela última ceia, Jesus disse aos discípulos: "Amai-vos uns aos outros. Não apenas como amais a vós mesmos, mas amai-vos ainda mais, como eu vos amei. Pois os meus discípulos serão reconhecidos por muito amarem." (João 13:34). Um discípulo de Jesus é identificado pela sua capacidade de amar os demais seres do mundo exatamente como eles são.

Deus ama todas as suas criaturas, do verme ao anjo, com igualdade. Seu amor é incondicional, abrangendo tanto o algoz quanto a vítima. No livro "Paulo e Estevão", psicografado por Chico Xavier e ditado pelo espírito Emmanuel, na última página, após o desencarne do apóstolo Paulo, Jesus, acompanhado de Estevão, vai ao encontro do espírito de Paulo. Ele lhe diz que é da vontade do Pai que verdugos e mártires se unam eternamente em Seu reino. O amor é a mais elevada conquista da criatura humana, essencial para a ascensão à angelitude.

No entanto, o amor é verbo que não se conjuga sozinho, pois quem ama serve.

Quando Jesus anunciou, naquela última ceia, sua partida e a iminente chegada do Reino de Deus, os discípulos começaram a debater sobre quem seria o maior nesse Reino. A situação foi descrita em Lucas 22:24-27. Jesus, então, esclareceu-lhes que, no Reino de Deus, o maior será sempre aquele que mais serve, que mais se dedica, e que auxilia a todos sem queixas.

"Amar" e "servir" são dois verbos que, quanto antes soubermos conjugar, mais felicidade e saúde alcançaremos. 

3- Também naquela última ceia, Jesus revelou a traição de Judas e a negação de Pedro. Estes episódios merecem profunda reflexão, pois representam dois arquétipos, dois padrões psíquicos universais intrínsecos à condição humana. Ao expor a negação e a traição diante daquela assembleia, Jesus empregava métodos terapêuticos buscando induzir Pedro e Judas à introspecção. Durante toda a ceia, através de suas palavras e ações, ambos projetavam sombras internas, aspectos ocultos do inconsciente que necessitavam ser trazidos à luz. 

Jesus os convoca a introspecção.

Tendo advertido Pedro, o diálogo com Judas adquiriu maior profundidade. Jesus captava as emanações perturbadoras da atmosfera psíquica de Judas e procurou socorrê-lo, agindo como um professor que facilita o processo de aprendizado do discípulo.

Jesus empenha-se em auxiliar Judas no processo de despertar, permitindo que o discípulo aproveite os últimos momentos ao seu lado e se liberte da letargia que o mantinha preso no mundo

Após anunciar que seria traído e que o traidor seria identificado ao qual desse um pedaço de pão, todos acompanharam o gesto de Jesus em direção a Judas (João 13,26). Todos escutaram quando o Mestre disse a Judas: "Faça logo o que você tem que fazer" (João 13,27). Judas levantou-se e foi negociar com os fariseus a entrega de Jesus. Seria esse o papel destinado a Judas? Era essa a intenção de Jesus em relação a Judas? Será que Judas veio ao mundo com esse propósito?

É óbvio que não. A frase dita por Jesus objetivou o despertar de Judas, com o fim de lembrá-lo de sua missão na Terra. Ninguém tem como missão cometer crimes, erros ou equívocos. Todos nós temos como missão vencer a nós mesmos, superando hábitos e costumes equivocados que adquirimos em encarnações passadas.

Judas estava completamente conectado com as ilusões do mundo material. Ele desejava que Jesus alcançasse o poder terreno. Ele acreditava firmemente que, ao entregar Jesus ao Sinédrio, isso resultaria em uma guerra civil e que sairiam vitoriosos. Isso se devia ao fato de que apenas algumas horas antes, a multidão em Jerusalém havia aclamado Jesus como o rei dos judeus (João 12,13).

Jesus decifra a intimidade de Judas e busca despertá-lo, pois Judas, assim como todos nós, tinha a missão de transformar sua perspectiva em relação ao mundo e a si mesmo.

Judas viveu ao lado de Jesus durante todo o seu ministério de amor. Recebeu o melhor alimento espiritual diretamente da fonte mais pura e, tendo nutrido o espírito, chegou o momento de realizar a tarefa que lhe foi designada.

Da mesma forma, somos como ele. Estamos recebendo alimento espiritual da fonte há quanto tempo? Há quanto tempo nos nutrimos do amor que extraímos das lições de Cristo? Para todos nós também chegou a hora de agir prontamente, realizando aquilo para o qual viemos ao mundo.

Há uma frase que diz que os dias mais importantes de toda nossa vida são dois; o dia em que nascemos e o dia em que descobrimos o porquê nascemos. 

Sabemos que estamos neste mundo com o propósito de evoluir, um objetivo que somente pode ser alcançado através do autoconhecimento. Devemos permitir que as transformações ocorram, sempre utilizando Jesus como nosso ponto de referência, modelo e guia. Ele nos serve como inspiração e direção na busca por nos tornarmos melhores versões de nós mesmos.

Chega o momento para todos nós de realizar esse trabalho de forma rápida, depressa, deixando para trás as ilusões do mundo e voltando-nos para o nosso interior. Já gastamos muito tempo e energia na busca por conquistas materiais que, eventualmente, serão consumidas pelo tempo. Isso é apenas uma questão de tempo!

Assim como Judas, se continuarmos presos a ilusões, também trairíamos Jesus através de nossa inércia. A inércia se configura como traição daqueles que não se movem em direção à transformação moral, sendo que viemos a este mundo justamente para cumprir essa tarefa. Se não agirmos rapidamente para realizar aquilo para o qual viemos, a oportunidade passará, a encarnação passará, e encerraremos nossa jornada com a sensação de falha, acreditando que traímos nosso projeto encarnatório e, ainda mais dolorosamente, que traímos Jesus.

Quando perguntaram a Chico Xavier qual era a maior a dificuldade que os espíritos enfrentam após a morte, respondeu a maior antena psíquica que o mundo já conheceu: A questão mais aflitiva para o espírito no Além é a consciência do tempo perdido.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

ABORTO, NA VISÃO ESPÍRITA


aborto e culpa
No "Livro dos Espíritos", em resposta à questão 614, a espiritualidade destaca a observância das leis divinas como o único caminho para a conquista da felicidade humana. Esse guia espiritual indica o que o indivíduo deve ou não fazer, e argumenta que a infelicidade ocorre quando há um afastamento dessas leis divinas.
A revelação espírita proporciona clareza ao afirmar que todas as escolhas contrárias às leis morais resultam em dor e sofrimento. Portanto, segundo os espíritos imortais, o homem é o arquiteto de seu próprio destino.
O espírito, criado em simplicidade e ignorância, possui um caminho seguro inscrito em seu psiquismo para alcançar a paz e a felicidade, conforme indicado na questão 621 do "Livro dos Espíritos". Este caminho se baseia na observância das leis morais, que estão impressas em sua essência psíquica.
Contudo, dotado de livre-arbítrio, o espírito tem a prerrogativa divina de escolher entre a felicidade e a infelicidade. Esta escolha se dá conforme a sua decisão de agir em conformidade ou em desacordo com essas leis morais. Assim, Deus lhe concede a liberdade de escolher seu próprio destino, seja ele de paz e contentamento ou de dor e sofrimento.
O ser humano, contudo, frequentemente opta por desviar-se do plano de felicidade esboçado por Deus, devido às suas próprias imperfeições. Muitas vezes, ele escolhe seguir um caminho autônomo, marcado pelo imediatismo e pelas ilusões que o mundo material oferece. Essa trajetória não apenas falha em conduzi-lo a um destino significativo, mas também deixa marcas profundas em sua alma, resultantes das quedas morais ocasionadas por suas escolhas equivocadas
O dilema das escolhas equivocadas não reside apenas em suas consequências imediatas, mas também no autojulgamento que eventualmente se manifestará, despertando sentimentos de culpa na consciência. Essa culpa, se não for enfrentada de maneira madura, tem o potencial de levar ao adoecimento da alma.
O espírito Joana de Angelis, no livro "Conflitos Existenciais", psicografado por Divaldo Franco, destaca que "a culpa é o resultado da raiva que alguém sente contra si mesmo, voltada para dentro, em forma de sensação de algo que foi feito erradamente". Essa perspectiva sublinha a importância de uma abordagem introspectiva e madura para lidar com os erros e falhas, a fim de evitar o desgaste emocional e espiritual que a culpa não resolvida pode causar.
A referência literária mais antiga sobre o dilema da consciência culpada pode ser encontrada no livro de Gênesis, especificamente na narrativa de Adão e Eva. Após consumirem o fruto proibido, ambos começam a sentir o desconforto da culpa em suas consciências. Isso ocorre porque é na consciência que estão inscritas as leis divinas. Sentindo o peso de uma consciência culpada, o casal tenta esconder sua própria nudez da presença de Deus.
Este ato simbólico revela que a sensação de culpa pode desencadear no ser humano um sentimento de impureza da alma, algo que se sente compelido a ocultar. A narrativa de Adão e Eva ilustra de forma arquetípica como a culpa pode afetar não apenas nosso comportamento, mas também nossa percepção de nós mesmos e nossa relação com o divino.
A narrativa de Adão e Eva pode ser vista como uma metáfora universal para a experiência humana, ilustrando o que ocorre quando nos afastamos das leis divinas para seguir as ilusões e tentações do mundo material. 
Depois de infringirem a ordem divina, consubstanciada no consumo do fruto proibido, Adão e Eva são expulsos do Éden e experimentam uma queda moral. Passam a enfrentar todas as tribulações e sofrimentos que são típicos daqueles que fazem escolhas imprudentes, vivendo, a partir daí, com o fardo da culpa pesando em suas consciências. 
Os personagens de Adão e Eva atuam como arquétipos que representam modelos humanos de falência moral. Eles simbolizam as quedas, os erros, os equívocos e a consciência afligida pela culpa que aflige todos aqueles que se desviam dos princípios éticos e morais. Sua história oferece uma visão penetrante dos desafios que a humanidade enfrenta ao equilibrar o livre-arbítrio com a responsabilidade moral, bem como as consequências dolorosas que podem advir dessa luta interna. É uma narrativa eternamente relevante, pois alerta sobre os desdobramentos espirituais e emocionais de nossas escolhas e aponta para a necessidade contínua de crescimento e redenção moral.
Em contrapartida, o arquétipo de Jesus representa o ideal do "homem de bem", cuja consciência está em perfeita sintonia com Deus e com o universo cósmico. Ele serve como um modelo de integridade moral e espiritual, um exemplo de como viver em conformidade com princípios éticos e leis divinas.
Jesus veio ao mundo com a missão de estabelecer um novo padrão, um novo referencial para a humanidade. Seu ensinamento e sua vida oferecem um caminho alternativo ao ciclo de erros e quedas morais simbolizados pela história de Adão e Eva. Ele ilustra a possibilidade de redenção e crescimento espiritual, demonstrando que é possível viver uma vida de amor, compaixão e justiça, mesmo em um mundo marcado pelo sofrimento e pela imperfeição.
Assim, enquanto Adão e Eva nos mostram as consequências de se desviar das leis morais e éticas, Jesus nos oferece uma visão do que pode ser alcançado quando alinhamos nossas vidas com esses princípios divinos. Ele serve como um farol de esperança e orientação, mostrando o potencial humano para a grandeza moral e a união com o Divino.
O tema do aborto, considerado à luz dos arquétipos e princípios mencionados, é realmente um dos tópicos mais complexos e polêmicos no âmbito da ética e da moral. Ele converge múltiplas facetas da experiência humana — desde o direito inalienável à vida até a autonomia da mulher sobre seu corpo, passando pelas responsabilidades morais e éticas que pesam sobre a decisão.
O tema do aborto, quando considerado dentro do contexto da doutrina espírita, adquire dimensões espirituais específicas. De acordo com a visão espírita, a lei da reprodução é uma lei divina que facilita o processo de reencarnação, dando ao espírito uma nova oportunidade para aprender, crescer e se redimir de erros passados. Nesse sentido, o ato de interromper uma gestação é visto como a negação dessa oportunidade preciosa ao espírito que estava destinado a reencarnar.
Seguindo essa linha de pensamento, a decisão de realizar um aborto poderia ser comparada à desobediência simbólica de Adão e Eva às leis divinas. Em outras palavras, seria uma escolha que se afasta dos princípios morais e éticos, podendo resultar em consequências espirituais e emocionais para todos os envolvidos. 
Infelizmente, o aborto ainda é tolerado pela sociedade, que muitas vezes se organiza para pressionar as autoridades mundiais a fim de obter sua legalização. Essa pressão ocorre com irracional desprezo pelo fato, comprovado pela ciência, de que a vida se inicia no momento da concepção. A doutrina espírita é esclarecedora neste aspecto, afirmando que o aborto é sempre um crime. As consequências espirituais recairão sobre a mulher que o praticou e sobre todos aqueles que, de qualquer forma, contribuíram para sua consumação, por menor que seja a contribuição ofertada. 
Debate-se muito a respeito do direito de decidir sobre o momento de exercer a maternidade. É preciso considerar, no entanto, que esse direito, embora legítimo, encontra limite no direito à vida do espírito já ligado ao óvulo fecundado. O direito de um termina quando começa o do outro, e o maior de todos os direitos é o de viver. Abortar, mesmo que seja no dia seguinte à concepção, é matar e, portanto, comprometer-se diante da lei divina. 
Mesmo no caso de estupro, o aborto é condenável, pois a criança, fruto do estupro, é inocente e não tem qualquer responsabilidade por um delito no qual não tomou parte. Nenhuma gravidez ocorre sem a permissão divina. A gravidez é uma experiência definida no projeto reencarnatório tanto da mulher quanto do homem. 
No caso de estupro, é claro que o crime não foi planejado por Deus. É óbvio que não! No entanto, mentores espirituais aproveitam essa situação dolorosa para trazer um espírito à reencarnação. No caso do estupro, sempre será um espírito muito ligado à mulher, vítima do crime hediondo. Provavelmente, será um ente muito amado, alguém ligado a ela pelos laços mais sublimes do coração. Este aproveita o ato horrível do estupro para se ligar a ela e proporcionar-lhe, com seu amor incondicional, a alegria de viver, ajudando-a a superar o trauma do ato criminoso de que fora vítima. 
Também constitui ação contrária às leis divinas o aborto em casos de má-formação fetal. A má-formação fetal está relacionada com a condição espiritual do espírito que busca desesperadamente, na reencarnação, a oportunidade de reconstruir os padrões energéticos que compõem as tessituras de seu perispírito, danificadas por ações violentas, no passado, provocadas por ele mesmo. 
Negar-lhe a oportunidade de reencarnar é como negar socorro a alguém extremamente necessitado de internação hospitalar. Para esses espíritos, a reencarnação é um tratamento intensivo e de urgência. Para uma melhor compreensão do tema, vale a pena ler o livro "Memórias de um Suicida", da inesquecível médium Yvonne do Amaral.
Somente no caso em que a mãe corre risco de vida é que o aborto é tolerado. 
Todavia, após a escolha equivocada e a consumação do triste ato, é claro que todos os envolvidos colherão, no futuro, os frutos da semeadura que optaram por plantar. Urge, no entanto, que se reergam perante Deus desde agora, pois se o aborto é um crime aos olhos das leis divinas, somente o amor cobre uma multidão de pecados, conforme nos ensinou o Apóstolo Pedro.
Impõe-se, desde já, uma mudança nos padrões mentais, alterando-se o estado de consciência de culpa para o estado de consciência de responsabilidade. A culpa engessa o ser, paralisa-o no caminho e leva-o a agir como Adão e Eva, que fogem da presença de Deus, como se fosse possível a alguém fugir da presença do Pai. A responsabilidade, por sua vez, convida o ser que errou ao trabalho de soerguimento.
Jesus recomendou pegar no arado e não olhar para trás. O arado, à época de Cristo, era um instrumento pesado que exigia força e sacrifício do trabalhador para remover as imperfeições do solo, preparando-o para a semeadura. A imagem é perfeita. 
Urge remover as imensas imperfeições que se têm cultivado no solo dos próprios corações, com sacrifício, coragem e força, para que a semente divina encontre condições emocionais para florescer. 
Diante do erro, a doutrina espírita recomenda trabalho intenso em favor de si mesmo, em busca da própria transformação moral, pois Jesus precisa de todos, mas precisa de todos transformados. 
Trabalhar, amar e servir. Eis as ferramentas para a própria transformação moral, a fim de que o ser se prepare espiritualmente para enfrentar, no futuro, as experiências em que falhou hoje e que serão necessariamente repetidas amanhã.











terça-feira, 26 de maio de 2015

JESUS E A MULHER SAMARITANA


O Evangelho de João 4, 5-15 narra o encontro de Jesus com uma mulher Samaritana na cidade de Sicar, na região da Samaria, cujo diálogo está repleto de conteúdos espirituais. Ao chegar na cidade da Samaria, chamada Sicar, Jesus, cansado da longa caminhada vinda de Jerusalém rumo a Galileia, se senta à beira do poço de Jacó para descansar, por volta do meio-dia.

Este quadro é simbólico. A imagem de Jesus, detentor de toda a sabedoria, sentado à beira de um poço, representa a ideia de um mestre à disposição de quem se propõe a aprender com Ele. A mulher que vai ao poço buscar água expressa o movimento do ser humano que, cansado das superficialidades da vida, procura um sentido mais profundo para a própria existência. A fonte, ou o poço, adquire uma simbologia que aponta para o conhecimento. E, é por isso, que a mulher que vai à fonte para saciar sua sede é convidada por Jesus a despertar para o amor próprio.

Ao se aproximar do poço com um jarro em suas mãos para colher a água, Jesus surpreende a mulher, dizendo-lhe: 'Dá-me de beber.' A mulher, surpresa, responde ao Mestre: 'Como sendo tu judeu, me pedes de beber, a mim, que sou mulher samaritana?' (Porque os judeus não se comunicam com os samaritanos).

A proposta de Jesus - 'Dá-me de beber' – é um convite. O Mestre a convida a estabelecer um relacionamento com Ele para iniciar seu aprendizado da Verdade. Mas ela, num primeiro momento, ao invés de estar receptiva ao convite, não O entende, pois embora estivesse pronta para o despertamento, ainda se prendia às questões superficiais da vida.

Jesus propõe à mulher uma comunhão, mas ela permanece ligada às questões culturais de seu tempo e de seu povo, focada nas aparências preconceituosas. Esse é exatamente o perfil da superficialidade.

A mulher Samaritana queria permanecer nas discussões estéreis da superficialidade, por isso questiona: 'Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?' O que importava para ela era a rixa entre os povos e não o convite de Jesus. Ela resiste a ter intimidade com Ele. Apesar de sua necessidade, ela reluta em aceitar o convite ao aprendizado.

No nosso plano, somos constantemente convidados por Deus a assumirmos as rédeas do processo evolutivo, trabalhando pelo próprio aprimoramento moral. No entanto, muitos preferem permanecer no plano da superficialidade.

A mulher, estranhando o pedido de Jesus, responde a Ele que os Judeus não deveriam falar com Samaritanos. Jesus então lhe disse: 'Se tu soubesses quem Sou, era tu que me pedirias água, e a água viva que eu te desse, tu jamais padecerias sede.'

Ao oferecer água viva à mulher, Jesus reforça a Sua condição de Mestre, convidando-a mais uma vez à comunhão com Ele.

A mulher, por sua vez, responde: 'Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, conseguirá a água viva?

Sabe-se que água viva é a água mais pura e cristalina que permanece no fundo de qualquer poço. Quando o Mestre oferece água viva, Ele está propondo um mergulho interior, com o propósito do autoconhecimento. Isto porque, conforme ensina o Livro dos Espíritos, nas questões 919 e 919ª, o autoconhecimento é ferramenta eficaz de evolução. 

O autoconhecimento permite que se cuide das próprias feridas, sem ocultá-las de si mesmo. Durante o processo, é possível reconhecer os acertos e os erros praticados na vida, compreendendo que se os acertos impulsionam o ser para frente, os erros também o fazem quando o ser se compromete a refletir sobre seus atos, com o fim de aprender e repará-los. 

O aprendiz da Vida não estaciona na superficialidade, mas aprofunda-se dentro de si. Em vez de se entristecer com as limitações que encontra, regozija-se com isso, e, notando uma ferida interna, ao invés de disfarçá-la com uma pomada anestesiante, recorre ao unguento do amor para curá-la.

Ao ouvir a proposta de Jesus de que Ele poderia lhe dar água viva, a mulher questionou se Ele era maior do que Jacó, que havia dado àquele povo o poço de onde eles tiravam água.

Jesus, porém, sem dizer se era ou não maior que Jacó, respondeu à mulher que qualquer um que bebesse da água do poço de Jacó voltaria a ter sede, mas aquele que bebesse da água que Ele dava jamais padeceria sede, porque a água dada por Jesus se tornaria uma fonte jorrando para a vida eterna.

A expressão "água viva que sacia a sede" corresponde à frase dita por Cristo em João 8:32: "conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." O espírito, livre de suas amarras internas, está pronto para o exercício do amor e do amor próprio.

A mulher, então, lhe pediu: "Senhor, dá-me dessa água para que eu não tenha mais sede e não precise mais vir até esse poço para tirá-la.

A samaritana ainda resistia ao aprendizado com Jesus ao confundir a "água viva" com a água do poço. Jesus estava falando com ela sobre a sede do espírito, não a sede do corpo. A tentativa de aplacar a sede da alma com coisas materiais é um movimento ilusório do ser equivocado, porque, em vez de saciar-se, encontrará-se ainda mais sedento.

Jesus, com o objetivo de despertá-la, ordenou: "Vai, chama o teu marido e volta aqui." A mulher, espantada, respondeu: "Não tenho marido." Jesus lhe disse: "Falaste a verdade. De fato, não tens marido, porque já tiveste cinco maridos, e o homem com quem estás agora não é teu marido; nisso falaste com sinceridade."

Apesar de a samaritana ter tido relacionamentos conjugais por seis vezes, ainda estava sedenta de amor, cheia de carências e em busca de plenitude. Ela procurava o amor e a realização no outro, e, por isso, já estava no sexto relacionamento sem se sentir amada. O amor é uma fonte que jorra na alma de quem ama. A necessidade de ser amado, querido e protegido é uma dependência psicológica que resulta da imaturidade. Quanto mais maduro o indivíduo, mais independente se torna.

O convite de Jesus aponta para a busca da plenitude sem depender de outros seres, pois, por mais que nos amem, eles não podem nos dar o autoamor, que é a verdadeira fonte da água viva.

Ao dizer a ela: "De fato, não tens marido, porque tiveste cinco maridos, e o homem que agora está contigo também não é teu marido; isto disseste com verdade", Jesus procurava levá-la a entrar em contato com a verdade dentro de si, reconhecendo o padrão de superficialidade em que vivia.

Caindo em si, a samaritana despertou: "Senhor, vejo que és um profeta." A partir desse momento, ela percebeu a superioridade de Jesus e aprofundou a conversa, questionando-O sobre o grande dilema que separava judeus e samaritanos: onde adorar a Deus? Os samaritanos adoravam a Deus no monte Garazin, enquanto os judeus o faziam no templo em Jerusalém.

Jesus respondeu que em nenhum lugar externo encontraríamos Deus para adorá-Lo, porque Deus é Espírito e deve ser adorado em Espírito e Verdade. Isso só seria possível quando o ser humano conseguisse libertar-se dos processos externos, superar a superficialidade e se dispusesse a evoluir na vertical da vida.

A mulher deixou seu cântaro e correu à cidade, chamando as pessoas para banquetear-se com Jesus.

A imagem do cântaro é, de fato, significativa. Como um recipiente para água, ele simboliza a busca pelo amor e pela satisfação nos outros, na materialidade e nas crenças religiosas. No entanto, ao deixar cair o cântaro, a samaritana se liberta de qualquer dependência material, afetiva ou religiosa. Ela compreende que a felicidade e a plenitude podem ser alcançadas dentro de si mesma, por meio da transformação interior. Ela se torna a própria fonte de amor e autoestima. Ao amar a si mesma, ela se torna capaz de compartilhar esse amor com os outros e convida outras pessoas a buscar sua identidade com Jesus.