Certa noite, no estudo de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, o orador falava sobre a parábola do filho pródigo.
Mostrava
as implicações materiais e espirituais da lição e comparava o relacionamento
daquele pai e seus filhos com o tratamento que Deus dispensa a toda humanidade.
Abordamos, de nossa parte, que a reencarnação
pode ser também compreendida como a festa que aquele pai fez para o filho que
retornava, já que vinha ansioso por crescer, aprender e aplicar os
conhecimentos adquiridos na difícil experiência.
Na parábola, aquele filho que pediu ao pai a
sua parcela e tentou ser independente, cresceu como homem mais do que o outro
que permaneceu na casa, apesar do aparente fracasso que o obrigou a fazer-se
humilde e pedir perdão e ajuda ao genitor.
Diferentemente agem os pais terrenos. Impedem
que seus filhos cresçam e poucos têm a coragem de dividir com o filho corajoso
o seu patrimônio para que ele busque a independência. Preferem engrossar o
acervo e manter-se como tutor da família. Acreditam que correrão menos
risco, já que a inexperiência do filho poderá levá-lo ao insucesso e causar
prejuízo. Se observassem as aves veriam que tão logo o filhote aprende a voar
os pais desincumbem-se da sua vida, premiando-os com a liberdade e a
responsabilidade.
Como não agem assim, os homens criam uma prole
inexperiente e quando o patriarca se despede da vida, deixa de mãos atadas os
herdeiros que não aprenderam a lidar com o patrimônio que lhes é entregue.
Grandes grupos industriais têm falido quando ficaram sob o comando da segunda
geração. Despreparados, dilapidam em pouco tempo o que durou anos para
construir. E não têm culpa, pois não foram treinados.
Quando analisamos os quadros de violência que
assolam a humanidade nos dias tumultuados do final dos tempos, costumamos
defini-la como a animalidade dos homens que agem como bichos. A violência para
nós é o estupro, o sequestro, o crime, a invasão do domicílio. Todavia, uma
outra grande carga de violência se pratica sob o amparo da lei, que nunca
analisa a implicação moral e espiritual. Prende-se o que mata uma pessoa, mas
não se prende o que mata uma esperança.
Os filhos, entregues aos pais para ser
educados e aculturados, são muitas vezes vítimas da incompetência e do
desconhecimento que os genitores têm quanto à responsabilidade que lhes
compete. Tutelam demais e orientam de menos. Quem sabe se o direito dos homens
não deve criar penas para os pais que negligenciam na formação de seus filhos,
por inteiro. Chegaria o dia em que estes reclamariam nos tribunais, alegando
que apesar de receberam as roupas caras, o carro do ano, o melhor alimento e o
melhor colégio particular, nunca tiveram amor, nunca receberam a advertência,
nunca se beneficiaram da merecida, necessária e oportuna punição.
Enquadramo-nos todos na história do filho
pródigo. Às vezes, somos o que ficou junto ao pai, sem buscar o desconhecido
que aperfeiçoa e amplia a visão da vida. Não queremos errar, logo, não
experimentamos. Não erramos, mas não crescemos. Outras vezes, somos o
aventureiro imprevidente que recebeu do pai o seu quinhão, mas o consumiu com
leviandade e imprudência.
Num caso ou noutro, o resultado origina a
violência. Mas não a violência mencionada no decorrer deste texto. A violência
de malbaratar os bens oferecidos por Deus. Ao reencarnar, recebemos uma
dose de favores divinos para usar durante a vida. Mas nós os usamos
incorretamente. Esses bens são o corpo físico, a inteligência, o dia de 24
horas, o alimento, o ar, a água, para citar algumas das inúmeras benesses.
Ao chegar à Terra, agimos conforme a
nossa inferioridade. Temos inveja de tudo e de todos. Somos melindrosos e nos
ofendemos quando nos corrigem. Gulosos, comemos demais e erradamente. Poluímos
o ar que precisamos na manutenção da vida orgânica. Sujamos os rios com
químicas e detritos. Aplicamos a inteligência na burla dos direitos do
semelhante. Resultado, ao invés de flutuar nas águas cristalinas das leis de
Deus, sempre de correnteza mansa e que leva o barco da vida ao porto seguro,
preferimos navegar entre vagalhões que emborcam nossa nau e rasgam as velas que
nos direcionariam ao porto da harmonia.
Essa violência se revela em cada homem, sem
distinguir sexo. Violência de marido contra esposa, e vice-versa; de filho
contra pai; de governo contra povo; de motorista contra pedestre; de jovem
contra velho; de inteligente contra beócio; de rico contra pobre; de cor contra
outra; de religioso contra ateu; de elegante contra destrambelhado; de forte
contra fraco; de nativo contra estrangeiro.
Daí, navegando contra a corrente a barca nunca
chega ao destino. E o timoneiro esfalfado busca socorro. Busca socorro em Deus.
Deus na figura das leis, não dos templos, das rezas, dos pretensos privilégios.
Ao retornar como o filho pródigo, encontra o Pai sorridente que se alegra com a
volta da ovelha desgarrada. Deus espera, pacientemente, porque sabe que não há
alternativa. Mas o homem pensa que há. Por um tempo ele se dá bem e imagina-se autossuficiente.
Mas, na contramão da lei, o sucesso é efêmero e inconsistente.
Antes de nos assustarmos com a violência e
criticarmos o comportamento alheio, imputando aos facínoras toda a
responsabilidade dessa violência, observemos que diariamente cada um de nós
lança mais uma semente na grande seara do desentendimento. E, regada pelas
lágrimas, ela tem se desenvolvido rápida e assustadoramente.
Temos de combater a violência, a partir das
formas mais singelas. A árvore não nasce grande e só produz frutos
porque um dia foi plantada. Cada ser vivente deste planeta miúdo e sofrido
é um agente causador do mal. Muitas vezes por mera ignorância. Pode ser uma
atenuante, mas nunca uma desculpa ou justificativa. No direito dos homens está
escrito que ninguém pode alegar ignorância a respeito da lei. E a lei de Deus é
mais facilmente compreensível do que a dos homens. E se estas estão impressas
nos livros, a lei de Deus está escrita no coração de todas as pessoas.
Artigo de autoria de
Octávio Caúmo Serrano, publicado no Boletim “A Voz do
Espírito”, Nr. 019, de 08/02/2000