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quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O SINAL DE JONAS




Os evangelhos de Lucas e Mateus relatam que, em certa ocasião, um grupo de fariseus se aproximou de Jesus pedindo-lhe um sinal que os convencesse definitivamente de que Ele era o Messias esperado. Jesus respondeu a eles afirmando que nenhum outro sinal lhes seria dado, exceto o sinal de Jonas, que passou três dias e três noites no ventre do grande peixe. 

 Trata-se de um texto que exige reflexões, porque o seu conteúdo espiritual não está aparente. Ao leitor desatento, a resposta de Jesus aos fariseus parece perfeita. Os fariseus pedem a Jesus um sinal e o Mestre lhes diz que o sinal será Sua ressurreição.

 No entanto, a resposta dada aponta para um conteúdo espiritual que deve ser meditado, pois Jesus não proferiu uma única palavra que carecesse de um profundo ensinamento, e também não recorreu a expedientes para atender à hipocrisia dos fariseus.

Por isso, a questão que se coloca é: quem é Jonas? Por que Jesus nos remete a Jonas? Que lições esse personagem possui para nos transmitir? 

A história está registrada no Velho Testamento, no livro de Jonas. Trata-se de um livro bastante breve, com apenas quatro capítulos, que narra uma história aparentemente simples, porém repleta de conteúdo espiritual profundo.

O profeta Jonas relata que Deus o incumbiu da missão de ir até a cidade pagã de Nínive, a capital da Assíria, que era habitada por pessoas perversas e más e que eram inimigas ferrenhas de Israel. A tarefa designada a Jonas consistia em pregar ao povo e adverti-los de que o Deus de Israel os destruiria devido ao seu comportamento imoral. 

Jonas, contudo, recusa essa incumbência e foge da presença de Deus. Ele segue na direção oposta e desce ao porto de Jope, onde embarca no primeiro navio disponível, com destino a Tarsis. Enquanto está em alto mar, surge uma tempestade violenta que ameaça naufragar o navio.

Os marinheiros, em estado de desespero, começam a lançar ao mar as cargas pesadas para aliviar o peso da embarcação. Enquanto isso, Jonas permanece sem se preocupar e desce ao porão do navio, onde acaba adormecendo profundamente. 

Diante da tempestade, os marinheiros, cada um invocando seu próprio deus, concluem que alguém a bordo deve estar provocando a ira divina, o que causa o caos no navio. Decidem então lançar sortes para determinar quem era o culpado por essa calamidade.

A sorte recai sobre Jonas, e eles o questionam a respeito de sua responsabilidade na situação. Jonas relata-lhes toda a sua história e a missão que Deus lhe confiara. Impressionados, os marinheiros lançam Jonas ao mar, buscando aplacar a cólera divina. Nesse exato momento, surge um grande peixe, enviado por Deus, que engole Jonas, onde ele permanece por três dias e três noites. 

Durante esses três dias e três noites dentro do peixe, Jonas sente-se imerso no abismo, nas profundezas do inferno. Profundamente arrependido de suas ações, ele suplica por misericórdia divina.

Nesse momento, o peixe vomita Jonas em terra firme. Deus, então, aparece novamente a Jonas e lhe reitera a mesma tarefa que ele havia abandonado, ordenando-o a pregar em Nínive. 

Jonas, finalmente, decide obedecer e parte para Nínive. Lá, permanece por quarenta dias, pregando ao povo sobre a vontade de Deus e alertando sobre a iminente destruição da cidade. Os ninivitas, ao ouvirem a mensagem de Jonas, sentem-se profundamente tocados e começam a crer no Deus de Israel, mudando seus caminhos de forma definitiva.

Diante desse arrependimento sincero, Deus demonstra misericórdia e não executa a destruição anunciada. No entanto, Jonas fica descontente e inconformado com o fato de Deus ter poupado os ninivitas, que eram seus inimigos declarados. Ele expressa sua frustração em oração, pedindo que Deus lhe tire a vida, pois preferiria morrer a testemunhar a compaixão de Deus para com seus inimigos. 

Deus, em resposta às súplicas de Jonas, não lhe retira a vida, mas faz crescer uma grande planta sobre sua cabana, proporcionando-lhe sombra e frescor. Jonas se alegra imensamente com isso. Entretanto, Deus envia um verme para destruir a planta, deixando Jonas novamente exposto ao sol escaldante.

Nesse momento, Jonas expressa sua frustração e pede novamente a Deus que lhe seja tirada a vida. Deus, por sua vez, questiona Jonas sobre sua intensa revolta diante da perda de uma simples árvore. Ele acentua que essa árvore não foi plantada por Jonas e surgiu e desapareceu em um único dia. Deus utiliza essa situação para fazer Jonas compreender que se ele sentiu compaixão por uma planta, quanto mais Deus deve sentir compaixão pelo povo de Nínive, que é um povo que mal conhecia a diferença entre suas mãos.

 E, assim, termina a história de Jonas. 

Alguns aspectos da história de Jonas merecem uma reflexão cuidadosa. Antes de tudo, é importante destacar que o final do texto, escrito aproximadamente entre o século V e VII a.C., apresenta uma visão de Deus diferente daquela revelada por Moisés.

O texto sugere um Deus de amor, paciente com todos, que não se cansa diante das fraquezas humanas, do egoísmo, da falta de vontade e do orgulho de seus filhos. Ele é retratado como um Deus que oferece oportunidades de recomeço e que nunca nos abandona, mesmo quando nos encontramos nas sombras devido à nossa própria rebeldia. Esse aspecto enfatiza a misericórdia e a compaixão divina, ressaltando o desejo de Deus de oferecer oportunidades para que as pessoas se redimam e se transformem. 

O final do texto ressalta um padrão mental humano equivocado, marcado pelo egocentrismo e egoísmo. Mostra como muitos buscam o amor de Deus apenas para si mesmos, acreditando merecer perdão e misericórdia, enquanto secretamente desejam a punição daqueles que os ofenderam. 

O início do texto, que apresenta a missão de Jonas, é de fato um ponto importante de reflexão. A missão atribuída a Jonas nos convida a refletir sobre nossa própria missão e propósito na vida, pois a cada ser humano é confiado  uma missão singular que está alinhada com suas necessidades evolutivas. 

Entre as diversas missões que Deus confia a Seus filhos, a mais relevante é a missão no lar, ao lado daqueles a quem Jesus colocou ao nosso lado, ou seja, nosso próximo mais próximo. 

Jonas simboliza o psiquismo que decide rejeitar a missão divina que lhe foi confiada e faz uso equivocado do livre arbítrio, optando pela fuga. Ao evadir-se de sua tarefa, Jonas imediatamente inicia um processo de queda, revelando, assim,  uma lei divina e universal. Três momentos evidenciam essas quedas de Jonas: ele desce a Jope, desce ao navio e desce ao porão da embarcação, entregando-se a um profundo sono, caracterizado pela inércia, irresponsabilidade e conformismo. 

É exatamente isso que acontece quando fugimos da missão que Deus nos confiou: fazemos um movimento de queda vibratória. 

O lar é a nossa Nínive, onde estão aqueles espíritos ligados a nós pelos laços mais santos. Perdoar e servir a esposa ou o esposo complicado, o filho rebelde, o irmão ignorante e cheio de vícios, a sogra perturbada, o genro orgulhoso, a nora cega de vaidade, o pai e a mãe muitas vezes difíceis, incompreensíveis, insensíveis, castradores, entre outros, é realmente um desafio. Diante desse quadro, muitos optam por fugir. 

Essa fuga se manifesta de diversas maneiras, como passar mais tempo fora de casa envolvido em diferentes atividades; em outras ocasiões, ocorre através do mergulho nos vícios, bem como em outros relacionamentos, ou até mesmo por meio de enfermidades. É notável quantas patologias podem ser entendidas como verdadeiras tentativas de escapar das responsabilidades e desafios que o convívio no lar e com aqueles que nos são mais próximos apresentam. No entanto, enfrentar essas situações de frente, com amor, paciência e compreensão, pode levar a um crescimento pessoal profundo e ao fortalecimento dos laços familiares, transformando o lar em um espaço de aprendizado e evolução espiritual. 

Todas as nossas quedas morais resultam do uso equivocado do livre arbítrio, nos conduzindo por um caminho de descida e queda. No entanto, Deus nunca nos abandona. Ele proporciona novas oportunidades àqueles que cometem erros e caem. O recomeço coloca o viajante na mesma encruzilhada que antes recusou seguir. A mesma tarefa é novamente confiada a ele. Isso também aconteceu com Jonas; depois de reconhecer seu erro, pedir uma nova chance e passar por um longo período de quedas, tormentos e escuridão, Deus o enviou mais uma vez a Nínive.

Analisemos o perfil de Jonas e façamos uma reflexão bastante sincera,  buscando identificar os traços de Jonas em nós. e tenhamos ânimo e coragem para sermos fiéis aos compromissos que Deus nos confiou, a fim avançarmos, deixando para traz o ponto a que temos nos demorado tanto.



sábado, 7 de fevereiro de 2015

AMAR OS INIMIGOS












Se o amor ao próximo constitui o princípio da caridade, o amor aos inimigos é a mais sublime aplicação desse princípio, pois a aquisição dessa virtude representa uma das maiores vitórias alcançadas contra o egoísmo e o orgulho.

No entanto, a tarefa é de difícil realização. Talvez nenhum ensinamento de Jesus seja tão difícil de ser seguido quanto o mandamento "amai os vossos inimigos". Há mesmo quem, sinceramente, julgue impossível colocá-lo em prática. Consideramos fácil amar quem nos ama, mas nunca aqueles que, aberta ou insidiosamente, procuram nos prejudicar.

Já sabemos que o próximo é todo aquele que está ou se coloca à nossa volta. Mas e o inimigo? Quem é o inimigo? No dicionário Aurélio, encontramos o seguinte conceito, dentre outros: inimigos são aqueles que nos fizeram algum mal. Pessoa nociva.

Jesus, aparentemente, pede para amarmos aqueles que nos fizeram mal. Como podemos sentir afeição por alguém cujo intento é nos esmagar ou colocar inúmeros e perigosos obstáculos em nosso caminho? Como podemos gostar de quem ameaça os nossos filhos ou assalta as nossas casas?

Quando Jesus disse: "Amai os vossos inimigos", Ele não ignorava a dificuldade dessa imposição e conhecia bem o significado de cada uma das suas palavras. A responsabilidade que nos cabe, como cristãos, é descobrir o significado desse mandamento e procurar vivê-lo durante toda a nossa vida.

"O Evangelho Segundo o Espiritismo", ao tratar do tema, esclarece que há um equívoco no tocante ao sentido da palavra amar. Jesus, ao falar assim, não pretendeu que cada um de nós tenha para com o seu inimigo a ternura que dispensa a um irmão ou amigo. A ternura pressupõe confiança. Ora, ninguém pode depositar confiança numa pessoa, sabendo que ela lhe quer mal; ninguém pode ter para com ela um sentimento de amizade, sabendo-a capaz de abusar dessa atitude.

Entre pessoas que desconfiam umas das outras, não pode haver essas manifestações de simpatia que existem entre as que comungam das mesmas ideias. Enfim, ninguém pode sentir, ao estar com um inimigo, prazer igual ao que sente na companhia de um amigo.

Além disso, a repulsa que naturalmente se sente na presença de um inimigo resulta mesmo de uma lei da física: a lei da assimilação e da repulsão dos fluidos. Sabemos que o pensamento malévolo determina uma corrente fluídica que impressiona penosamente. O pensamento benévolo nos envolve num agradável eflúvio. Daí a diferença das sensações que se experimenta à aproximação de um amigo ou de um inimigo. Amar os inimigos não significa que não podemos fazer diferença alguma entre eles e os amigos.

Amar os inimigos não é ir ao encontro deles, abraçá-los e beijá-los. Isso é tarefa para os milênios futuros. Amar os nossos inimigos, se os tivermos, ainda que supostamente gratuitos, é jamais lhes guardar ódio, é perdoá-los sem pensamentos ou intenções ocultas, é nunca lhes opor obstáculo à reconciliação, desejando-lhes sempre o bem e até vibrando de contentamento, quando formos informados de um grande bem que lhes advenha; numa palavra, não guardar contra eles qualquer ressentimento.

Sempre que nos surpreendermos na emissão natural ou espontânea de um pensamento de amor, em favor de alguém que haja procedido mal para conosco, recolheremos o testemunho de um coração em processo de espiritualização.

Diante de um mal que alguém nos faça, deixar de pensar em vingança, deixar de nutrir ódio e ressentimento, trabalhar os sentimentos para vencer a dor que o mal nos causou, significa cumprir o apostolado do Cristo. Quem age assim está amando o inimigo, conforme nos ensinou Jesus.

São muitos os que dizem trazer Jesus no coração, mas isso não basta. É preciso colocar Jesus em nosso comportamento e retribuir o mal com o bem. E Ele disse ainda: "Não resistais ao mal que vos queiram fazer; se alguém vos bater numa face, apresentai-lhe a outra."

É claro que este preceito não deve também ser interpretado literalmente. O próprio instinto de conservação, que é uma lei da natureza, obsta que alguém estenda o pescoço ao assassino. Ao enunciar aquela máxima, Jesus não pretendeu proibir o ato de defesa, mas condenar a vingança. Quando disse para darmos a outra face àquele que nos haja batido numa, quis dizer, na verdade, que não se deve pagar o mal com o mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que seja de molde a lhe abater o orgulho; que maior glória terá ao ser ofendido do que ofender, que mais felicidade terá ao suportar pacientemente uma injustiça do que de praticar alguma; que mais vale ser enganado do que enganar, ser arruinado do que arruinar os outros

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A CARIDADE E A PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO



Certa vez, ao ser interrogado por um doutor da lei sobre quem seria seu próximo, Jesus poderia, simplesmente, ter explicado que o próximo é todo aquele que se aproxima de nós. No entanto, Ele preferiu contar uma parábola rica em ensinamentos, de modo que, ao nos recordarmos dela, todo o seu conteúdo nos venha à mente, e jamais nos esqueçamos dessa referência valiosa.

Então, para responder aos discípulos, narrou Jesus: -

"Descia um homem de Jerusalém para Jericó quando caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. Ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. E, de igual modo, também um levita, chegando aquele lugar, vendo-o, passou de largo. Mas, um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar”.

Ao terminar de narrar a história, Jesus se volta aos discípulos e lhes propõe: "Quem foi o próximo do homem caído?"

Naturalmente, os discípulos já não tinham mais dúvidas sobre quem era o próximo do homem caído.

A parábola se inicia fazendo referência ao movimento de um homem: ele descia de Jerusalém a Jericó.

É interessante a utilização do verbo "descer", quando o mais natural seria dizer que o homem ia ou viajava de Jerusalém a Jericó.

Todavia, Jerusalém é uma cidade alta na Judeia, enquanto Jericó está situada mais abaixo. Geograficamente, qualquer pessoa que vai de Jerusalém a Jericó estará, de fato, descendo.

Ocorre que há uma simbologia envolvendo as cidades de Jerusalém e Jericó, revelando que Jesus Cristo quis nos transmitir muito mais.

Para os judeus, a cidade de Jerusalém possuía uma simbologia especial, sendo considerada sagrada e santa. Era lá que estava localizado o maior templo judaico, o Templo de Salomão, que foi destruído várias vezes ao longo da história. Ainda hoje, os judeus lamentam a queda do templo junto à única parede que restou dele, conhecida mundialmente como o Muro das Lamentações.

Jerusalém era, portanto, a cidade mais sagrada de toda a Judeia, correspondendo, nas devidas proporções, ao que o Vaticano representa para os católicos nos dias de hoje. Foi por isso que Jesus mencionou que o homem descia de Jerusalém; Ele poderia ter dito que o homem descia de qualquer outra cidade alta da Judeia, mas escolheu referenciar a mais relevante, a capital espiritual do Judaísmo.


Por outro lado, Jericó era a cidade mais próspera da Judeia, sendo o centro dos negócios, dos cambistas e dos grandes mercados, onde ocorriam trocas de dinheiro e onde residiam as grandes personalidades do mundo dos negócios. Seria, numa comparação com os dias de hoje, como a cidade de São Paulo, Tóquio, Nova Iorque, enfim, uma dessas cidades onde o dinheiro circula com facilidade.

Por isso, quando Jesus cita Jerusalém, Ele se refere a uma cidade espiritualizada e, ao mencionar Jericó, Ele evoca uma cidade ligada às coisas materiais, ao dinheiro, ao poder, sem vínculo com as questões espirituais.

Neste cenário, destaca-se a referência à "descida". É a descida vibratória a que Jesus se referia, e não meramente geográfica. Qualquer um que deixa Jerusalém em busca de Jericó está, espiritualmente, baixando sua vibração; pois qualquer pessoa que abandona os interesses espirituais para buscar os prazeres materiais realiza um movimento de descida. E, nessa descida vibratória, todo e qualquer caminhante sofre assaltos da perturbação, fica tombado, sob obsessão, necessitando do auxílio alheio, do socorro de terceiros. Isso porque, na maioria das vezes, a criatura caída, tombada, assaltada, obcecada pelo caminho que escolheu, não consegue, por si só, sair do estado em que se encontra.

Pontuando sua narrativa para nos deixar profundos ensinamentos, Jesus ressalta que o homem tombado, assaltado, caído à beira da estrada, precisa de ajuda. Então, Ele elege, coincidentemente, o sacerdote para ser o primeiro a encontrar o necessitado.

Não foi por acaso que Jesus mencionou o sacerdote. Para o judaísmo, o sacerdote era um dos indivíduos que viviam a intimidade dos conhecimentos da maior sinagoga. Ele detinha o conhecimento das coisas espirituais, embora esses conhecimentos ainda não tivessem despertado sua sensibilidade, como frequentemente acontece. Existem pessoas repletas de sabedoria e conhecimento, saturadas de conteúdo, mas que não vivenciam esses conhecimentos.

É interessante observar que a doutrina espírita, na questão 780, nos ensina que o progresso moral nem sempre acompanha o progresso intelectual, embora decorra deste. Ao adquirir conhecimentos, é importante aplicá-los e vivenciá-los. Contudo, há muitos que possuem o conhecimento mas não o vivem. Por isso, o sacerdote, que sabia tantas coisas de Deus, viu o homem caído na estrada e não se sensibilizou a ponto de socorrê-lo.

Logo depois, prossegue Jesus, vinha um levita. Mas o que era um levita? Era também um sacerdote do templo, de um grau mais avançado que o primeiro. O levita era o sacerdote que reunia um profundo conhecimento da legislação judaica. Era um homem muito culto e respeitado na sociedade judaica. No entanto, apesar de sua cultura, amparar e socorrer um caído no caminho não era para ele, evidenciando assim que todo o conhecimento que acumulava não lhe tocava o coração.

Assim, Jesus, que jamais pronunciou uma palavra que não tivesse um profundo sentido, se vale de uma situação histórica do povo judeu para contar que, depois dos dois sacerdotes, vinha um samaritano. O Mestre poderia ter dito apenas que, depois dos sacerdotes, cheios de conhecimento e sem tempo para socorrer o caído no caminho, vinha um homem. Poderia ter dito que era um homem desconhecido, mas Ele especificou que foi um Samaritano. Mas por que um Samaritano? Não foi por acaso que Jesus escolheu um Samaritano para praticar a maior caridade para com o próximo do caminho.

É que havia uma rixa muito grande e secular entre judeus e samaritanos. Ambos procediam do mesmo tronco, da mesma raça, mas entre esses dois povos havia um desentendimento quanto à forma de adorar a Deus. Os judeus, que adoravam a Deus no Templo de Salomão, na maior sinagoga, nutriam um grande desprezo pelos samaritanos, considerados pessoas vulgares, da pior espécie, porque os samaritanos adoravam a Deus no Monte Gerizim e não no templo maior.

Por isso, Jesus utilizou um samaritano para ser o personagem caridoso, com a missão de socorrer o próximo. Ele poderia ter se referido a um homem de qualquer outra cidade, mas fez questão de mencionar alguém de Samaria. Jesus quis mostrar que aquele homem, contra quem os judeus tinham todas as reservas, possuía um coração capaz de servir.

Com isso, Jesus quis ensinar que o importante não são as coisas materiais que possuímos, não é a roupa que vestimos, não é o título que ostentamos, mas sim a realidade que vivemos em nosso interior. Aqueles dois sacerdotes eram indivíduos de alta consideração na sociedade da época, diante dos quais o povo prestava todas as honras. Por isso, Jesus retrata os nobres da Terra, os respeitáveis da Terra, como insensíveis, e alguém que é malvisto no mundo como alguém capaz de prestar serviço ao próximo.

Infelizmente, a humanidade ainda hoje se conduz de maneira semelhante, pois os valores que se atribuem às pessoas que se vestem bem, que ostentam posição social elevada, que possuem títulos sociais e acadêmicos, não são os mesmos atribuídos às pessoas que se vestem de maneira simples e que têm uma apresentação social mais humilde. 

Quantas vezes nos deparamos com pessoas necessitadas de socorro, precisando de auxílio, e fingimos que não as vemos, porque o necessitado só nos trará trabalho. Quantas vezes, ao encontrarmos em nosso caminho alguém em necessidade material ou em desequilíbrio psíquico, nos desviamos, como fizeram os sacerdotes. Temos conhecimentos que adquirimos com a doutrina espírita, mas não estamos impregnados com o conhecimento adquirido e, diante do necessitado que se apresenta a nós, não temos tempo para auxiliá-lo, pois temos nossos afazeres, assim como tinham o sacerdote e o levita, mencionados por Jesus na parábola.

Mas o samaritano, ao encontrar o necessitado, ferido, caído, desceu de sua montaria e limpou suas feridas. Poderia ter deixado o ferido ali; afinal, o samaritano já lhe prestara os primeiros socorros. Poderia ter voltado para seu cavalo e continuado sua viagem. Já tinha feito sua parte. Assim como nós fazemos, diante de alguém em necessidade que nos pede auxílio. Se é alguém com fome, damos-lhe um prato de comida; se é alguém em sofrimento, oferecemos-lhe uma palavra confortadora; se é alguém com frio, vestimos a pessoa, cumprindo assim a nossa parte.

No entanto, a proposta do Evangelho vai além. Jesus deseja que nossas ações diante do próximo sejam movidas por caridade e não se limitem a mera assistência. E a caridade requer acompanhamento. Assim, o Mestre prossegue a narrativa, dizendo que o samaritano, além de cuidar das feridas do homem, levou-o a uma hospedaria. Deu ao estalajadeiro dinheiro para cuidar do enfermo e ainda assegurou que qualquer gasto adicional com o socorrido seria ressarcido. Eis o acompanhamento a que Jesus se referia. Não basta apenas atender ao necessitado; é preciso cuidar dele, fazer com que ele sinta que pensamos nele, que nos preocupamos com ele e que desejamos intensamente o seu bem. Esse é o verdadeiro sentido da caridade, conforme Jesus nos ensinou.